O sopro ocorre quando a passagem de sangue não flui suavemente pelas válvulas do coração. É importante investigar a causa para tratamento
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Durante uma consulta médica de rotina é comum o médico realizar a ausculta do coração com um estetoscópio. Essa avaliação tem como objetivo identificar a presença de sopro cardíaco, um som atípico causado pelo fluxo sanguíneo através das estruturas do coração.
O sopro no coração ocorre quando a passagem de sangue não flui suavemente pelas válvulas do coração, resultando em sons adicionais.
Quando o sopro é detectado, isso indica a possibilidade de turbilhonamento do sangue no órgão. Segundo a cardiologista Dra. Thaíssa Monteiro, médica da Rede D’Or especializada em risco cirúrgico e cardiopatia congênita no adulto, essa condição frequentemente resulta de uma disfunção em uma das válvulas cardíacas, que pode estar apresentando dificuldades em abrir (estenose) ou fechar (insuficiência) adequadamente.
Neste artigo iremos abordar tudo o que você precisa saber sobre essa condição cardíaca. Continue lendo e descubra se um sopro no coração é realmente perigoso e se existe cura.
O sopro é um som causado pelo turbilhonamento do sangue quando passa pelas valvas cardíacas. O sopro no coração pode ocorrer por dois fatores:
“O coração é uma bomba que serve para manter o sangue circulando no corpo, e para que o fluxo de sangue mantenha a direção correta, as valvas cardíacas alternam abertura e fechamento conforme a passagem do sangue”, descreve a médica sobre o funcionamento do coração.
Nosso coração tem quatro valvas: tricúspide, pulmonar, aórtica e mitral, e quatro câmaras, dois átrios e dois ventrículos. O sangue retorna do corpo para o coração chegando aos átrios. As valvas tricúspide e mitral controlam a passagem do sangue dos átrios para os ventrículos, as maiores câmaras do coração. As valvas pulmonar e aórtica controlam a saída de sangue dos ventrículos para, respectivamente, a artéria pulmonar e a aorta, a artéria que leva o sangue para todo o organismo.
Dra. Thaíssa explica que quando o coração se contrai para impulsionar o sangue para frente, as valvas aórtica e pulmonar se abrem. Por outro lado, as valvas tricúspide e mitral se fecham, para evitar que o sangue volte em sentido contrário. Durante o relaxamento do coração, é o contrário: tricúspide e mitral se abrem, para que os ventrículos recebam sangue, ao passo que a pulmonar e a aórtica se fecham. Quando uma valva não abre adequadamente, chamamos de estenose; quando o fechamento é incompleto, há insuficiência valvar.
“É só pensarmos numa mangueira de água aberta sem obstrução, na qual visualizamos um fluxo de água uniforme e laminar; é desse jeito que o fluxo de sangue dentro do coração deve ser, laminar. Mas se colocamos o dedo na saída da mangueira, obstruindo a sua saída, o jato de água fica turbilhonar, como ocorre quando há algum defeito em uma valva do coração”, exemplifica.
O sopro no coração é consequência de um defeito nas valvas cardíacas, que pode ser congênito (de nascença) ou adquirido. Segundo Dra. Thaíssa, o defeito adquirido mais comum na nossa população é a febre reumática, frequente em crianças e adolescentes. Contudo, o envelhecimento e outras doenças podem acometer as valvas cardíacas mesmo em idades mais avançadas.
“A febre reumática se dá em pessoas predispostas geneticamente que, quando expostas a uma bactéria durante uma amigdalite (infecção de garganta), os anticorpos produzidos para combater a bactéria acabam também levando a lesões em diversos órgãos do seu corpo, inclusive no coração, causando a cardite reumática”, explica.
Algumas pessoas já nascem com sopro no coração, as chamadas causas congênitas. O PCA (persistência do canal arterial) e a coartação da aorta (estreitamento da aorta torácica descendente), de acordo com a especialista, também são outras causas de sopro, mas todos seguem o mesmo princípio, do turbilhonamento do sangue gerando o sopro”, aponta.
A médica explica que o PCA pode ocorrer, por exemplo, devido ao canal arterial que não fechou ainda nos primeiros dias de vida, ou a alguma cardiopatia congênita, como a tetralogia de Fallot (condição cardíaca congênita que influencia o fluxo sanguíneo e a oxigenação desde o nascimento), ao estreitamento da aorta torácica descendente (coartação da aorta), a CIV (comunicação interventricular), anomalia de Ebstein (doença da valva tricúspide que causa sua insuficiência e diminuição do ventrículo direito).
Ainda segundo a cardiologista, em certas circunstâncias, é possível ocorrer um sopro cardíaco fisiológico, normalmente de natureza temporária. Situações como anemia, hipertireoidismo, febre elevada, gravidez e exercício físico intenso podem desencadear esse tipo de sopro, que desaparece quando a pessoa melhora e não está relacionado com lesões na estrutura do coração.
“O sopro em geral denota uma condição que sempre necessita de avaliação médica para sabermos a sua causa específica e, se houver uma doença associada, podermos tratá-la adequadamente”, destaca Dra. Thaíssa.
Por outro lado, a presença de um sopro no coração nem sempre indica uma condição perigosa. Muitas vezes, os sopros podem ser causados por situações temporárias como já citado. Nesses casos, os sopros são fisiológicos e costumam desaparecer com a resolução da causa subjacente.
No entanto, quando os sopros estão associados a problemas nas válvulas cardíacas, como insuficiência ou estenose, é importante avaliar a gravidade da condição. As estenoses e insuficiências valvares leves são apenas acompanhadas e não causam sintomas. Por outro lado, lesões moderadas e graves podem necessitar de medicações ou outros tratamentos. Algumas doenças valvares podem progredir ao longo do tempo, levando a complicações mais sérias com a necessidade de intervenção cirúrgica.
“As doenças valvares, a depender da sua gravidade, causam uma sobrecarga do coração, podendo levar ao ‘coração grande’ e à insuficiência cardíaca”, aponta.
De acordo com a especialista, os sintomas mais frequentemente relatados são:
– Cansaço;
– Falta de ar;
“O paciente nota que não consegue mais fazer as atividades que fazia anteriormente, que não consegue acompanhar as pessoas da mesma idade nas atividades habituais, como subir uma ladeira, correr para pegar um ônibus ou subir escada”, exemplifica.
Alguns pacientes podem apresentar também:
– Palpitações;
– Coração acelerado e descompassado;
– Lipotimia (sensação de quase desmaio);
– Síncope (desmaio);
– Dores no peito.
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Em casos mais avançados, o paciente pode apresentar:
– Edema (inchaço) de membros inferiores;
– Dispneia paroxística noturna (quando o paciente acorda de madrugada repentinamente e com falta de ar intensa);
– Aumento do volume abdominal (“barriga d’água”);
– Congestão pulmonar (“edema pulmonar ou água nos pulmões”).
“É só pensarmos que há um engarrafamento do sangue, por conta do mal funcionamento valvar. Com o avançar da doença, o paciente pode ter insuficiência cardíaca grave, com grande limitação das suas atividades diárias e até mesmo risco de morte”, alerta.
“Os sintomas vão progredindo ao longo de anos, podendo chegar a acontecer aos mínimos esforços ou mesmo em repouso. No estágio mais avançado, o paciente pode apresentar falta de ar ao se deitar, por isso passa a dormir com a cabeceira da cama elevada, precisando usar muitos travesseiros”, destaca.
É importante compreender que o sopro em si não é uma doença, mas sim um sintoma de uma possível anormalidade cardíaca.Os riscos associados ao sopro no coração dependem da natureza específica da condição. Algumas causas como defeitos congênitos ou doenças valvares podem requerer monitoramento e, em alguns casos, intervenção médica para prevenir complicações futuras.
“Uma pessoa com sopro por doença no coração pode evoluir com grande limitação das suas atividades diárias, com cansaço e falta de ar progressivos aos esforços, podendo chegar a acontecer inclusive em repouso ou aos mínimos esforços”, destaca a médica.
A cardiologista aponta que em um sopro relacionado a doenças valvares é possível que o paciente desenvolva complicações significativas. Uma delas é a retenção acentuada de líquido nos pulmões, resultando em congestão pulmonar e agravamento da falta de ar. Além disso, a diminuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais pode se tornar inadequada, levando ao comprometimento de determinados órgãos, principalmente afetando a função renal.
Em decorrência de disfunções significativas do coração, é possível que o órgão aumente de tamanho e fique fraco, comprometendo sua capacidade de bombear sangue de maneira eficiente. A fraqueza cardíaca pode levar à formação de coágulos dentro do coração, aumentando o risco de trombos. Esses coágulos podem se desprender e ser transportados pela corrente sanguínea até órgãos vitais, como o cérebro, resultando em eventos como acidente vascular encefálico (AVE), popularmente conhecido como derrame.
Pode também haver edema de membros inferiores e aumento do volume abdominal por acúmulo de líquido no abdome e aumento do fígado devido a congestão hepática, podendo também causar a alteração da função hepática e renal.
“Uma complicação importante dos pacientes que possuem doença valvar é a endocardite infecciosa, que é uma infecção que ocorre dentro do coração. Geralmente a bactéria entra na corrente sanguínea através da boca com má higiene e se aloja na valva cardíaca já defeituosa, formando uma vegetação de bactérias e células sanguíneas, podendo levar a uma destruição ainda maior da valva já doente e também embolizar parte da vegetação para a corrente sanguínea, causando isquemia e abscesso onde a vegetação se alojar”, explica.
“O diagnóstico do sopro é clínico, através da ausculta cardíaca com o bom e velho estetoscópio. O exame físico completo já consegue trazer muitas informações para elucidar e criar hipóteses diagnósticas para a causa do sopro cardíaco, e o ecocardiograma é o exame complementar, o padrão-ouro para entendermos a causa do sopro ou até mesmo descartarmos as patologias descritas, confirmando-se às vezes se tratar de um sopro fisiológico (benigno)”, explica a Dra. Thaíssa Monteiro.
Quando necessário, o especialista pode realizar o ecocardiograma transesofágico para visualizar melhor algumas estruturas específicas do coração e avaliar o seu funcionamento. O ecocardiograma transesofágico é um ultrassom do coração e não usa radiação. Para realizar esse exame o paciente necessita estar em jejum e é submetido a uma anestesia leve.
Dependendo da causa do sopro, o especialista pode recomendar tratamentos específicos, como medicamentos ou intervenções cirúrgicas. A escolha do tipo de procedimento depende de particularidades do paciente e do defeito a ser corrigido.
“Podemos utilizar algumas medicações para facilitarmos o funcionamento do coração, diminuindo a sua sobrecarga. Também podemos usar diuréticos para controlarmos a congestão, mas tomando o cuidado de evitar a desidratação que também é prejudicial”, exemplifica.
Em casos que o paciente apresenta arritmias, o uso de medicações para controle dessa anomalia também é indicado. Nesses casos também é importante avaliar o uso de anticoagulantes para a prevenção da formação de trombos, quando indicado.
É importante destacar que o sedentarismo também pode ser prejudicial para esses pacientes, e, portanto, deve ser combatido. A médica recomenda não restringir a atividade física sempre que possível para pacientes com sopro no coração.
“Sabemos hoje que a atividade física é um componente importante do tratamento de todas as patologias cardíacas (e não cardíacas), mas a adequada avaliação da patologia é necessária para poder ser feita a liberação para o exercício de forma segura”, aconselha.
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Com o avançar da doença, a única solução de tratamento para os sopros é a cirurgia cardíaca. A cirurgia para tratamento das doenças valvares se dá com o reparo/plastia da valva ou com a sua troca por uma prótese, que pode ser biológica (de tecido porcino ou bovino) ou mecânica.
“A indicação do momento certo para a realização da cirurgia segue critérios bem definidos pelas sociedades médicas, pois não queremos antecipar uma cirurgia cardíaca e nem postergar de forma que já tenhamos muitas sequelas e os benefícios serão menores e riscos maiores”, destaca.
Atualmente existe a possibilidade da realização de tratamentos percutâneos, sem a necessidade de abrir o peito através da inserção de implantes percutâneos de valvas cardíacas e também de clips.
Quando há um grande comprometimento do coração já com insuficiência cardíaca avançada, o transplante cardíaco pode ser uma alternativa. “O ideal é evitarmos que o paciente chegue a esse estágio, e que já tenha realizado os procedimentos necessários nos momentos adequados, e isso se dá com o diagnóstico e acompanhamento correto do caso”, destaca.
A indicação e possibilidade do transplante cardíaco deve ser avaliada por uma equipe especializada, e também depende do seu momento ideal indicado para um maior sucesso desse tratamento.
“Em alguns casos podemos ter a cura do sopro, principalmente nas comunicações interatriais, interventriculares, ou persistência do canal arterial, mas ainda assim o paciente necessita fazer um acompanhamento por toda a sua vida”, aponta a Dra. Thaíssa.
De acordo com a cardiologista, em outros casos de doenças valvares, a cura definitiva não costuma ocorrer. Em tese, as próteses mecânicas podem durar muitas décadas, mas elas também podem ficar disfuncionais e necessitarem de troca, além de precisarem do uso contínuo de um anticoagulante oral, que requer um controle rigoroso com exames de sangue periódicos além de outros cuidados específicos.
“A validade das próteses valvares não é fixa, não é determinada na bula, e sim cada paciente tem a sua velocidade de degeneração da prótese, e para avaliar o momento da troca o paciente precisa ser acompanhado com consultas e exames periódicos”, complementa.
É fundamental que qualquer pessoa diagnosticada com um sopro cardíaco busque orientação médica para uma avaliação completa e determinação da causa da anomalia.
O acompanhamento regular com um cardiologista é essencial para monitorar a saúde cardíaca e abordar precocemente qualquer problema potencial. O profissional de saúde poderá indicar os exames necessários e propor um plano de tratamento adequado para garantir a saúde do coração.
Tem sentido sintomas sugestivos de sopro cardíaco?
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