Problemas cardíacos mais comuns em bebês prematuros
Entre eles estão a Persistência do Canal Arterial (PCA) e a Comunicação Interatrial (CIA)
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Bebês que nascem prematuros, ou seja, antes das 37 semanas de gestação, têm maior probabilidade de apresentar problemas no coração. Isso acontece porque muitos dos sistemas do corpo, incluindo o cardiovascular, ainda não estão totalmente desenvolvidos ao nascimento.
A prematuridade é um fator de risco significativo para diversas complicações de saúde, e entre elas estão os problemas cardíacos que podem impactar o desenvolvimento e a qualidade de vida dos bebês. Dados do Ministério da Saúde apontam que no Brasil aproximadamente 340 mil bebês nascem prematuros a cada ano, o que representa 931 nascimentos por dia, ou seja, cerca de 6 bebês prematuros a cada 10 minutos.
Um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Partnership for Maternal, Newborn and Child Health, analisou os dados globais entre 2010 e 2020 e revelou que 1 em cada 10 nascimentos é prematuro.
O Dia Mundial da Prematuridade, celebrado em 17 de novembro, reforça a importância de entender as condições que afetam os bebês nascidos antes do tempo, incluindo os problemas cardíacos. Neste texto destacamos os mais comuns em bebês prematuros. Continue lendo e confira quais são eles.
Prematuridade
O parto prematuro é a principal causa de mortalidade infantil em crianças menores de 5 anos no mundo. O Brasil ocupa a 10ª posição no ranking global de países com o maior número de nascimentos prematuros.
A prematuridade refere-se àqueles que nascem antes de 37 semanas de gestação, cujo período normal varia entre 37 e 42 semanas, ou aproximadamente 9 meses.
Bebês prematuros podem ser classificados em três grupos:
- os prematuros extremos: que nascem antes das 28 semanas e enfrentam maior risco de vida devido à sua saúde extremamente delicada;
- os prematuros intermediários: nascidos entre 28 e 34 semanas, que formam a maior parte dos nascimentos prematuros;
- e os prematuros tardios: que chegam ao mundo entre 34 e 37 semanas, um grupo que tem crescido no Brasil e gera preocupação em termos de saúde pública.
A prematuridade é uma condição que afeta milhões de crianças em todo o mundo e está associada a uma série de complicações de saúde, devido ao desenvolvimento incompleto dos órgãos e sistemas do corpo. Bebês prematuros frequentemente necessitam de cuidados especiais, incluindo internação em unidades de terapia intensiva neonatal (UTI neonatal), e podem enfrentar desafios em longo prazo, como problemas respiratórios, digestivos, neurológicos e cardíacos.
Bebês prematuros estão mais propensos a ter problemas cardíacos porque, ao nascer, eles ainda mantêm parte do padrão de circulação que tinham enquanto estavam no útero. Durante a gestação, o sangue que chega ao coração já está oxigenado pelo cordão umbilical, e os pulmões ainda não estão funcionando. Por isso, existem conexões entre os lados direito e esquerdo do coração, permitindo que o sangue evite passar pelos pulmões.
Ao nascer, quando os pulmões começam a funcionar, a circulação do sangue deve mudar, mas em bebês prematuros essa transição pode não ocorrer adequadamente.
“Normalmente, durante a gestação, essas comunicações vão diminuindo à medida que o bebê se desenvolve. No entanto, quanto mais prematuro o bebê, menos tempo teve para que essas passagens se reduzissem”, explica a Dra. Flávia Samos, coordenadora da cardiologia pediátrica do Hospital da Criança Rede D’Or São Paulo.
Problemas cardíacos mais comuns em bebês prematuros
Os problemas cardíacos são uma das maiores preocupações em bebês prematuros, resultantes da imaturidade do sistema cardiovascular, que ainda não está completamente desenvolvido. Essas complicações podem exigir cuidados médicos intensivos logo após o nascimento e acompanhamento ao longo da vida.
Dra. Flávia Samos aponta que os dois problemas cardíacos mais comuns em bebês prematuros são: Persistência do Canal Arterial (PCA) e a Comunicação Interatrial (CIA).
- Persistência do Canal Arterial (PCA):
Durante a gravidez, o oxigênio para o feto vem da placenta materna. Por isso, no coração do bebê, ele chega pelas veias do corpo (veia cava) e não precisa passar nos pulmões. O feto dentro do útero não respira e seus pulmões ficam quietinhos esperando nascer.
Para permitir a passagem do sangue com oxigênio para o corpo fetal sem entrar nos pulmões, existe uma passagem chamada canal arterial, que conecta a artéria pulmonar à aorta. Após o nascimento, essa passagem geralmente se fecha, para que o sangue circule pelos pulmões, que agora sim captam o oxigênio do ar. Porém, em bebês prematuros, esse canal pode permanecer aberto, o que pode acarretar problemas à medida que os dias passam.
“Esse canal é uma conexão entre a aorta, a principal artéria que leva sangue ao corpo, e a artéria pulmonar, que leva sangue aos pulmões. Com o canal aberto, parte do sangue que deveria seguir para o corpo retorna à artéria pulmonar, o que pode aumentar o fluxo sanguíneo nos pulmões e causar problemas respiratórios”, descreve a cardiologista.
- Comunicação Interatrial (CIA):
A Comunicação Interatrial (CIA) é uma condição cardíaca em que há uma abertura anormal entre os átrios do coração, que são as câmaras superiores responsáveis por receber o sangue.
Essa comunicação permite que o sangue se misture entre as duas câmaras superiores do coração, ou seja, entre os átrios direito e esquerdo. Assim, parte do sangue que já foi oxigenado no átrio esquerdo acaba voltando para o átrio direito, em vez de seguir para o ventrículo esquerdo e ser bombeado para o resto do corpo. “Isso também pode aumentar o fluxo sanguíneo para os pulmões, dependendo do tamanho da abertura”, complementa a Dra. Flávia Samos.
Ela descreve que em um coração saudável, o fluxo de sangue segue esta ordem:
- Átrio direito;
- Ventrículo direito;
- Artéria pulmonar (para os pulmões);
- Átrio esquerdo;
- Ventrículo esquerdo;
- Aorta (para o corpo).
“Tanto a persistência do canal arterial (PCA) quanto a comunicação interatrial (CIA) podem levar a um aumento do fluxo sanguíneo para os pulmões, dependendo do tamanho dos defeitos”, explica a cardiologista pediátrica.
Diagnóstico de problemas cardíacos em bebês prematuros
O diagnóstico precoce é fundamental para o manejo adequado e pode ajudar a melhorar as perspectivas de saúde em longo prazo para os bebês prematuros.
O ecocardiograma fetal deve ser realizado em todas as gestantes para triagem de defeitos cardíacos antes do nascimento. “Nesse exame, o canal arterial deve estar presente, pois é uma estrutura necessária e essencial durante esse período”, destaca.
A especialista ressalta que a CIA pode ser identificada no ecocardiograma fetal, especialmente quando o tamanho é aumentado, permitindo seu diagnóstico durante a gravidez. No entanto, a presença dessas estruturas no ecocardiograma fetal não significa que elas estarão presentes ao nascimento, pois são estruturas que involuem ao longo da gestação e, principalmente, após o nascimento.
Essa dinâmica é importante, pois, enquanto a CIA geralmente não causa problemas imediatos, o PCA costuma ser mais grave e pode necessitar de tratamento imediato. Isso ocorre porque o PCA é uma conexão que vem da aorta, onde a pressão é alta. Além disso, muitos bebês prematuros nascem com baixo peso, o que pode agravar essa condição e aumentar o risco de complicações.
A Dra. Flávia Samos orienta que os recém-nascidos prematuros devem fazer um ecocardiograma nos primeiros dias de vida. “Esse exame ajuda a identificar estruturas cardíacas que, muitas vezes, já estão presentes. O ecocardiograma avalia o tamanho dessas estruturas e se o coração está sendo sobrecarregado pelo aumento do fluxo sanguíneo, o que pode causar insuficiência cardíaca”, explica.
Logo após o nascimento, o bebê pode não apresentar muitos sinais de problemas, pois seus pulmões ainda estão se ajustando e a circulação que existia antes de nascer ainda pode estar presente.
Com o passar dos dias é que os primeiros sinais aparecem, à medida que os pulmões começam a se desenvolver. Pode haver um aumento do fluxo de sangue do lado esquerdo para o lado direito do coração. Isso pode sobrecarregar os pulmões, deixando o bebê mais cansado e fazendo com que ele precise gastar mais energia para respirar. “Essa fadiga também pode dificultar a amamentação, resultando em baixo ganho de peso. Se os pais notarem esses sintomas, é importante consultar um médico para uma avaliação mais detalhada”, alerta.
Os pais possuem um papel fundamental para notar alguns sinais de que um bebê prematuro pode ter problemas cardíacos. De acordo com a médica, um aumento do fluxo sanguíneo para os pulmões pode fazer com que o bebê fique mais cansado, especialmente durante as mamadas. Outros sinais incluem suor excessivo e dificuldade em ganhar peso.
Tratamentos de problemas cardíacos em bebês prematuros
O tratamento pode variar desde medicamentos para ajudar o coração a funcionar adequadamente até intervenções cirúrgicas em casos de anomalias mais graves. Em casos muito graves, existe a ventilação assistida, que é usada para ajudar o bebê a respirar, especialmente quando o coração está sobrecarregado.
“A CIA geralmente não precisa de tratamento imediato. Quando surge repercussão, medicamentos que aumentam a diurese (produção de urina) e reduzem a pressão arterial, aliviando a pressão sobre o coração, devem ser prescritos”, destaca.
Já para a persistência do canal arterial (PCA), o tratamento inicial inclui medicamentos para insuficiência cardíaca, como os diuréticos e vasodilatadores. Para diminuir o tamanho do canal, pode-se utilizar um outro tratamento, a base de anti-inflamatórios não esteroides, que de acordo com a Dra. Flávia, têm uma taxa de sucesso de cerca de 60% para induzir o fechamento desse canal arterial.
Se os medicamentos não forem eficazes, pode ser necessário fechar o canal mecanicamente, o que pode ser feito de duas maneiras: cirurgia ou cateterismo (hemodinâmica). “A cirurgia tradicional envolve um corte na linha da axila, entre as costelas, permitindo que o cirurgião acesse o canal e coloque clipes para fechá-lo. No entanto, esse método apresenta um risco de 45% de complicações pós-operatórias imediatas”, descreve.
A Dra. Flávia aponta que cada vez mais os médicos estão optando pela abordagem menos invasiva, como o cateterismo, que é feito no centro de hemodinâmica. “Nesse procedimento, um cateter é inserido pela veia femoral (na perna) e um plugue é colocado dentro do canal, bloqueando o fluxo entre a aorta e a artéria pulmonar. A escolha do tratamento depende do tamanho do canal, do peso do bebê e da disponibilidade de profissionais e recursos hospitalares especializados”, complementa.
Cuidados pós-cirurgia
Após a oclusão, realizada por cirurgia ou cateterismo, os bebês prematuros costumam se recuperar rapidamente, pois o procedimento corrige o desvio do fluxo sanguíneo. No entanto, se o coração já estiver significativamente aumentado, a adaptação à nova condição pode levar mais tempo.
“Há 45% de chance de ocorrer instabilidade pós-tratamento cirúrgico, porém após esse período inicial há uma maior chance de recuperação, uma vez que conseguem importante progressão no desmame ventilatório, introdução da dieta, menor taxa de hemorragia craniana e consequentemente melhora do desfecho global”, descreve.
Após a alta hospitalar, a cardiologista pediátrica explica que os cuidados variam dependendo do tipo de tratamento que o bebê recebeu:
- Cateterismo:
“Nas primeiras 24 a 48 horas, é importante monitorar o local onde o cateter foi inserido. Os pais devem observar se há sinais de sangramento e manter a área limpa”, orienta.
- Cirurgia:
Para bebês que passaram por cirurgia, os cuidados se concentram na ferida operatória. Os pais devem:
- Limpar o local com água e sabão neutro;
- Evitar manipular a ferida;
- Observar sinais de infecção, como vermelhidão, secreção ou febre.
“Além disso, é fundamental seguir todas as orientações médicas e comparecer a consultas de acompanhamento. O suporte emocional e a vigilância atenta são essenciais para garantir uma recuperação saudável”, complementa a cardiologista pediátrica.
A melhor maneira de minimizar problemas cardíacos em bebês prematuros é por meio do diagnóstico precoce e do monitoramento contínuo dessas crianças. “Como as estruturas cardíacas são essenciais durante a vida fetal, os bebês que nascem prematuramente geralmente mantêm essas estruturas. A principal diferença está no tamanho delas, nas repercussões que causam e na tendência de involução natural à medida que o bebê cresce”, explica.
Se você tem um bebê prematuro ou conhece alguém que está passando por essa experiência, é essencial estar informado sobre os possíveis problemas cardíacos e buscar orientação médica para garantir que o bebê receba os cuidados necessários desde o nascimento. Agende uma consulta