Por que a obesidade aumenta o risco de doenças cardíacas?
A obesidade está associada ao aumento do risco para mais de 30 doenças crônicas, pois há um aumento do número e do tamanho das células de gordura, que geram defeitos no funcionamento dos tecidos e do metabolismo
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A relação entre obesidade e doenças cardíacas é complexa e manter o peso corporal é crucial para a saúde cardiovascular. A obesidade não apenas afeta a aparência, mas também tem um impacto profundo no funcionamento do nosso corpo, especialmente do coração.
De acordo com a previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS) até o ano de 2025, cerca de 167 milhões de indivíduos, entre adultos e crianças, enfrentarão problemas de saúde decorrentes do excesso de peso ou da obesidade.
Dados do Ministério da Saúde apontam ainda que até 2030, aproximadamente 68% dos brasileiros enfrentarão questões de sobrepeso e 26% das pessoas poderão estar obesas. Estes mesmos dados destacam que o acúmulo excessivo de gordura no corpo está associado ao aumento do risco de mais de 30 doenças crônicas não transmissíveis.
Na semana em que se comemora o Dia Nacional de Prevenção da Obesidade, celebrado em 11 de outubro, conversamos com a cardiologista e nutróloga Karla Gouvea, Coordenadora da Cardiologia do Hospital Villa Lobos D’Or (SP), para entender por que a obesidade aumenta significativamente o risco de doenças cardíacas e quais medidas preventivas você pode adotar para evitar esse problema.
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Obesidade e doenças cardíacas
A obesidade atua de forma direta e indireta no aumento do risco de doenças cardíacas. De acordo com a Dra. Karla Gouvea, pessoas com obesidade apresentam um aumento do número e do tamanho das células de gordura, levando a defeitos no funcionamento dos tecidos e do metabolismo como um todo.
“Todo este processo leva a ocorrências de doenças como problemas de colesterol, diabetes, síndrome dos ovários policísticos e até redução dos níveis testosterona em homens. Desta forma, os fatores de risco mais comuns para doenças cardiovasculares tornam-se altamente prevalentes, exacerbando as doenças cardiovasculares”, explica a médica.
Cada vez mais estudos têm estabelecido uma conexão direta entre a obesidade e o aumento das doenças cardíacas, mesmo em casos em que não existem outras condições, como diabetes ou hipertensão.
A médica explica que uma forma de entender este conceito é observar as pessoas com excesso de peso que têm exames de sangue normais e não apresentam outras doenças. Ela descreve esses indivíduos como “obesos metabolicamente saudáveis”.
Muitas das vezes surgem questionamentos se estes indivíduos também apresentam um risco elevado para doenças cardíacas. “O ´obeso metabolicamente saudável´ tem um risco aumentado de desenvolver todos os tipos de doenças que são fatores de risco diretos para o surgimento de problemas cardiovasculares, como diabetes, hipertensão, dislipidemias, gordura no fígado, dentre outras”, explica.
A especialista complementa explicando que uma pessoa acima do peso naturalmente apresenta uma dificuldade em se exercitar por questões mecânicas e doenças osteomusculares provocadas pela sobrecarga. Por esse motivo, o obeso “metabolicamente saudável” sedentário acaba reduzindo seu gasto energético basal, que nada mais é do que a quantidade de calorias que a pessoa gasta em repouso.
Dentre as doenças cardíacas que uma pessoa obesa tem um risco aumentado de desenvolver estão:
– Insuficiência cardíaca (“coração fraco”);
– Infarto;
– Pressão alta;
– AVC (derrames).
Problemas como diabetes, aumento nos níveis de colesterol e triglicérides, gordura no fígado e tromboses também podem afetar mais comumente uma pessoa obesa. “Portanto devemos ter cuidado com o conceito do ‘obeso saudável’. A obesidade com ou sem doença associada é uma doença crônica que merece muita atenção”, alerta.
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Como funciona o coração de uma pessoa obesa
O coração é um órgão vital responsável por bombear o sangue rico em oxigênio para todas as partes do corpo. Quando uma pessoa se torna obesa, várias mudanças podem ocorrer em seu sistema cardiovascular devido ao excesso de peso.
Pessoas que estão acima do peso geralmente apresentam um aumento da gordura visceral, que se acumula em órgãos como o fígado, pâncreas, coração e rins. Esse acúmulo de gordura também está diretamente relacionado ao aumento da gordura que envolve o próprio coração, conhecida como tecido adiposo epicárdico.
De acordo com a Dra. Karla, indivíduos com aumento do tecido adiposo epicárdico têm uma maior gravidade de doenças como:
– Infarto;
– Insuficiência cardíaca.
Além disso, a médica explica que no coração de uma pessoa obesa ocorre um acúmulo extra de gordura no sangue, que fica guardado em forma de pequenas gotas de gordura no coração. Quando há mais gordura do que o coração pode guardar e usar, ela pode se tornar prejudicial, causando o que é chamado de cardiomiopatia lipotóxica.
“Além disso, o volume de sangue total que circula no coração de uma pessoa com obesidade é maior, contribuindo para uma sobrecarga cardíaca e consequente risco aumentado de insuficiência cardíaca”, alerta.
Como saber se o coração está sendo afetado pela obesidade
A obesidade é uma condição em que uma pessoa acumula uma quantidade excessiva de gordura corporal. Isto pode envolver a concentração de placas de gorduras nas artérias do coração, podendo levar à dor no peito.
A obesidade afeta cada pessoa de forma única, e nem todas as pessoas obesas desenvolverão problemas cardíacos. Os principais sinais que podem estar associados a uma sobrecarga cardíaca em um paciente com obesidade são:
– Cansaço;
– Falta de ar;
– Inchaço;
– Aumento nos níveis de pressão;
– Taquicardia.
“Nos exames, principalmente no ecocardiograma, podemos observar tanto um aumento do volume do coração quanto uma dificuldade no relaxamento do músculo e até mesmo perda de função global do coração”, descreve a especialista.
Fatores que contribuem para o aumento de peso
A Dra. Karla Gouvea destaca um dado da Organização Mundial da Saúde que aponta que a dieta inadequada é o principal fator de risco para mortalidade precoce mundialmente.
“Uma nutrição saudável é recomendada para todos, e correlações benéficas são observadas entre a habilidade de preparar alimentos saudáveis e o consumo de escolhas alimentares igualmente saudáveis”, aconselha.
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A médica ressalta que há um grande preconceito diante da obesidade, mas isso precisa ser desmistificado. “Temos evidências claras hoje de que a obesidade é muito mais complexa do que só a ingestão de calorias em excesso; ela envolve diversos mecanismos desde alterações genéticas, exposições ambientais, alterações psicológicas, distúrbios hormonais e metabólicos até o desequilíbrio da oferta e gasto de energia”, atesta.
Uma série de fatores pode explicar o insucesso do combate à obesidade no Brasil e no mundo, mas a médica considera que o mais importante é esclarecer às pessoas sobre o que é realmente a obesidade. “A obesidade é uma doença crônica, complexa, fruto da interação de variáveis genéticas e ambientais, fortemente influenciadas por fatores sócio-econômicos-culturais com o ambiente; é um erro grave quando a obesidade é vista como uma falha pessoal”, descreveu destacando que isso faz com que as pessoas com obesidades se sintam frequentemente culpadas por sua doença, o que traz prejuízo à saúde mental e ao tratamento.
“Também é importante ressaltar que dietas muito restritivas podem levar a insucesso terapêutico por dificuldade de manutenção a longo prazo e até mesmo a efeitos inversos ao que buscamos no tratamento, como o aumento do risco de doenças cardiovasculares e doenças como sarcopenia (redução de massa magra) que podem levar ainda a uma redução do metabolismo deste paciente devido à redução do gasto energético basal (gasto de energia em repouso)”, explica.
Como controlar o peso corporal
Gerenciar o peso de maneira saudável geralmente envolve a adoção de uma dieta equilibrada, aumento da atividade física, controle do estresse e, em alguns casos, acompanhamento médico para abordar fatores hormonais ou médicos subjacentes.
Para a Dra. Karla Gouvea, mais importante do que apenas restringir calorias e aumentar o gasto calórico, é necessário entender qual o nutriente que este indivíduo está ingerindo.
Ela aponta alguns padrões como a inclusão de alguns grupos alimentares que trazem benefícios adicionais ao reduzirem o risco cardiometabólico e garantirem uma maior aderência à terapia a longo prazo:
– Frutas;
– Hortaliças;
– Grãos;
– Ovos;
– Lácteos;
– Carnes magras.
“Mais uma vez ressalto o preconceito e desconhecimento por parte não somente de leigos no assunto, mas dos próprios profissionais da saúde quando falamos de obesidade. Infelizmente muitas vezes somente alimentação, atividade física e outros controles do estilo de vida não são suficientes para o tratamento destes pacientes, havendo necessidade do uso de medicamentos ou até mesmo cirurgias”, afirma a especialista.
A médica destaca que após uma perda de mais de 5% do peso inicial, o organismo já aponta resultados de melhora nos níveis de pressão arterial, colesterol, triglicérides e glicose, retardando o aparecimento de complicações cardiovasculares.
“Um grande estudo da literatura mostrou que perdas de peso acima de 10% levavam a reduções de cerca de 21% de problemas cardiovasculares, infarto ou AVC e até reduções de mortes por doenças cardiovasculares”, aponta.
A obesidade é uma condição crônica e o acompanhamento contínuo ao longo da vida é necessário, mesmo após alcançar o controle da doença. Quando os pacientes não recebem o devido acompanhamento, há uma alta probabilidade de recuperarem o peso perdido.
A Rede D’Or conta com uma rede de especialistas que podem ajudar no combate à obesidade.