Perfil Lipídico sem jejum no cálculo do risco cardiovascular
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Worldwide Increasing Use of Nonfasting Rather Than Fasting Lipid Profiles. Clinical Chemistry 70:7, 911-33, 2024
Por Dr. Helio Magarinos Torres Filho, Diretor médico do Richet Medicina e Diagnóstico.
Em Julho de 2024 foi publicado em um dos periódicos mais conceituados na área de diagnóstico in vitro, Clinical Chemistry, o artigo “Worldwide Increasing Use of Nonfasting Rather Than Fasting Lipid Profiles“, escrito por Anne Langsted e Børge G. Nordestgaard, ambos do Departamento de Bioquímica Clínica do Copenhagen University Hospital, Dinamarca ( https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38646857/ ), que examinou a crescente aceitação dos perfis lipídicos sem jejum para avaliação do risco cardiovascular. Os autores utilizaram uma revisão de grandes estudos populacionais e diretrizes médicas globais para apresentar os benefícios e a eficácia dessa abordagem.
Tipo de Artigo e Metodologia:
O trabalho consiste em uma revisão científica que reúne dados de estudos observacionais e ensaios clínicos internacionais, comparando os exames de perfil lipídico realizados em jejum e sem jejum. Entre as coortes analisadas, destaca-se o Copenhagen General Population Study, que incluiu mais de 58 mil participantes, demonstrando variações mínimas nos níveis lipídicos após a ingestão alimentar, o que reforça a viabilidade dos exames sem jejum.
Adoção Global: A partir de 2009, diversos países começaram a adotar o uso de perfis lipídicos sem jejum, entre eles o Brasil, os EUA e países da Europa, seguindo recomendações de importantes sociedades médicas.
Vantagens Práticas: Para os pacientes, realizar o exame sem jejum é mais conveniente, pois elimina a necessidade de jejuar antes da coleta de sangue. Isso economiza tempo e evita a necessidade de visitas repetidas aos laboratórios. Para médicos e laboratórios, esse processo também facilita o fluxo de trabalho e a eficiência do atendimento.
Resultados Equivalentes ou Superiores: A variação nos níveis de lipídios e lipoproteínas após uma refeição normal é mínima, o que torna os perfis sem jejum tão eficazes, ou até superiores, para predizer o risco cardiovascular. Isso foi comprovado pelo estudo realizado na Dinamarca, que avaliou milhares de indivíduos e concluiu que os exames sem jejum são igualmente precisos.
Redução de Custos e Maior Aderência: O uso de perfis sem jejum contribui para uma maior adesão dos pacientes aos programas de prevenção cardiovascular e reduz custos, já que diminui a necessidade de repetição de exames e visitas adicionais. Essa abordagem é especialmente benéfica para grupos de risco, como idosos e diabéticos, que podem evitar o risco de hipoglicemia durante o jejum.
Modernização das Técnicas de Medição: Martin-Hopkins que ajusta a fórmula de Friedewald com base em variáveis específicas de cada paciente, os exames de LDL-C se tornaram mais precisos, mesmo em estado não jejuado. Isso é particularmente relevante no contexto da medicina de precisão, que foca em diagnósticos mais individualizados. O método de cálculo Martin-Hopkins ainda não é adotado na grande maioria dos laboratórios clínicos brasileiros, podendo ser tema de maiores discussões futuras.
Recomendações Futuras: O estudo propõe que diretrizes médicas em todo o mundo incentivem o uso de perfis lipídicos sem jejum para todas as idades e condições, incluindo pacientes com hipertrigliceridemia severa.
Recomendações:
- Uso Ampliado: O artigo defende que mais países adotem perfis sem jejum, com diretrizes nacionais que facilitem a implementação dessa prática em laboratórios e clínicas.
- Recomendações no Brasil: Desde 2017, o Brasil já recomenda o uso de perfis lipídicos sem jejum, endossado por várias sociedades médicas, como a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC/ML) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Eles sugerem a realização inicial de exames sem jejum, com repetição em jejum apenas se os níveis de triglicerídeos forem superiores a 440 mg/dL.
O artigo também aborda a utilização de outros marcadores, que podem ser utilidade clínica:
Apolipoproteína B (Apo B):
A Apo B é preditor alternativo e eficiente de risco cardiovascular residual. Ela mede todas as lipoproteínas que contêm apolipoproteína B, incluindo LDL, remanescentes e lipoproteína(a), sendo um indicador direto do risco de doenças ateroscleróticas. A medição da Apo B é particularmente útil para avaliar o risco residual após a redução agressiva do colesterol LDL, especialmente em pessoas que fazem uso de estatinas ou têm doenças cardiovasculares (ASCVD) ou diabetes. Mesmo com a redução do LDL, níveis elevados de Apo B podem indicar risco residual de ASCVD, tornando sua medição recomendada por diversas diretrizes clínicas. O texto destaca, portanto, a importância crucial deste teste para pacientes em uso de estatinas ou outras terapias para redução do colesterol. A dosagem de Apo B não é influenciada pelo jejum.
Colesterol Remanescente:
O colesterol remanescente, calculado como o colesterol total menos o LDL e o HDL (CT – (HDL+LDL)), é preferido para estimar o risco cardiovascular em vez do uso isolado dos triglicerídeos plasmáticos. Estudos populacionais demonstram que concentrações elevadas de colesterol remanescente estão associadas a um aumento no risco de doenças cardiovasculares. Além disso, um ensaio direto para medir o colesterol remanescente está sendo desenvolvido, e novas drogas estão sendo criadas para reduzir especificamente esse colesterol.
Lipoproteína A – Lp(a):
A Lp(a), que é determinada geneticamente, é outro importante fator causal para doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca. Com terapias sendo desenvolvidas para reduzir a Lp(a), seu monitoramento frequente pode se tornar essencial em breve. A dosagem de Lp(a) não é influenciada pelo jejum.
Informação adicional: Com a não necessidade de jejum para o perfil lipídico, a sua necessidade permanece, dentre os testes de rotina mais solicitados, apenas para as dosagens de glicose e de insulina; entretanto, vale à pena ressaltar que, para fins diagnósticos, a glicemia em jejum pode ser substituída pela dosagem de Hemoglobina glicada com o sem a dosagem de glicose sem jejum, devidamente validado pelas sociedades brasileiras de patologia clínica (SBPC) e brasileira de diabetes (SBD). |
Fontes:
- Clinical Chemistry 70:7 Review 911–933 (2024) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38646857/
- Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico https://pncq.org.br/uploads/2018/consenso_jejum_dez2016_final.pdf
- Cleveland Clinic Journal of Medicine – Nonfasting Lipid Testing (CCJM)
- American College of Cardiology – Optimizing Non-Fasting Lipid Analysis (American College of Cardiology)
- American College of Cardiology – Managing Dyslipidemia in Primary Prevention (American College of Cardiology)
- SBD – Diretriz – Diagnóstico de diabetes mellitus, atualizado em 24 de setembro de 2024. DOI: 10.29327/5412848.2024-1
- Aplicabilidade da fórmula Martin‐Hopkins e comparação com a fórmula Friedewald na estimativa do colesterol LDL na população do estudo e_COR DOI: 10.1016/j.repc.2020.11.011

CRM 52.47173-0