IDOR participa de estudo sobre como o coronavírus muda a forma de produzir energia pelo cérebro
“O vírus mexe com a maneira que o cérebro produz energia”, diz neurocientista
Professor do Instituto de Biologia da Unicamp, Daniel Martins de Souza é um dos coordenadores do grupo de cientistas que descobriu alterações no sistema neurológico causados pela Covid-19.
Você está entre aqueles que acham melhor pegar o coronavírus logo para se ver livre dele? Faz parte do grupo que pensa que ter a doença com sintoma leves deixa a pessoa mais livre das sequelas? Cuidado. A recomendação é do neurocientista Daniel Martins de Souza, do Departamento de Neurologia da Universidade de Campinas, a Unicamp.
O professor do Instituto de Biologia da Unicamp é um dos coordenadores do grupo de cientistas que descobriu alterações na estrutura do córtex cerebral, mesmo em pessoas com sintomas leves de Covid-19. Parte desse estudo foi liderada pela cientista Clarissa Yasuda, do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia/Brainn/Unicamp. Ela analisou imagens do cérebro de 81 pessoas que tiveram Covid-19 com sintomas leves.
O mesmo grupo, que envolve 75 autores, comprovou que o coronavírus infecta células cerebrais e afeta as funções, o que pode ter consequências graves, como depressão e ansiedade.
– Nossos dados mostram o quão perigoso é se expor ao coronavírus ou “querer pegar logo isso para ficar livre”. Mas, se nessa de pegar logo, a pessoa sofre uma complicação neurológica? Nossa pesquisa mostra que é melhor fugir dessa ideia, pois não há como afirmar se a doença será grave ou não – observa o neurocientista.
Além da Unicamp, o estudo inclui a Universidade de São Paulo (USP) em colaboração com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O neurocientista dá mais detalhes do estudo na entrevista a seguir:
Professor, os efeitos do novo coronavírus em todo o sistema imunológico dos infectados ainda não são totalmente conhecidos. Por outro lado, a medicina prova que as variações de sintomas em cada paciente não ficam restritas às vias aéreas. A pesquisa da Unicamp descobriu como age o vírus no sistema neurológico. Como vocês chegaram a esta conclusão?
A equipe examinou o cérebro de 81 pacientes acometidos pelo coronavírus de forma leve, e sem necessidade de hospitalização. A ressonância magnética provou alterações significativas em parte do cérebro. Os exames foram feitos 54 dias depois do diagnóstico. Essas alterações têm sintomas associados, e observados na clínica, como depressão, ansiedade e distúrbios cognitivos, ou seja, dificuldade de raciocinar de forma apropriada.
Convém salientar que os sintomas neurológicos necessariamente não estão ligados ao vírus no cérebro, mas pode ser pela presença no organismo e inflamação que causa no organismo como um todo.
Já é possível determinar os efeitos do novo coronavírus no cérebro dos pacientes acometidos pela doença?
Nosso segundo passo foi examinar o cérebro de pessoas que morreram por causa da Covid-19 e tentar detectar o vírus, o que conseguimos em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto e de São Paulo. Em 20% dos cérebros dessas pessoas que foram a óbito tinha a presença do vírus. Temos provas científicas a partir dos cérebros escaneados de que o vírus chega a esta parte do organismo.
Mas o que o vírus causa no cérebro?
O vírus mexe com a maneira que o cérebro produz energia. Isso acaba sendo tóxico para os neurônios. Quando chega ao cérebro, o vírus toma conta das células para se replicar. O Sars-CoV-2 é capaz de infectar e se replicar nos astrócitos, células de suporte e as mais numerosas do sistema nervoso central. Ao afetar os astrócitos, o coronavírus pode prejudicar o funcionamento dos neurônios, que precisam dos astrócitos para se nutrir.
O vírus ataca os astrócitos e, infectados, eles morrem ou deixam de cumprir o papel de suporte aos neurônios. Estes então passam a não levar mais direito os sinais nervosos. O resultado pode ser uma gama de problemas, tão variados quanto dificuldade de raciocínio, perda de memória e depressão.
Há um pensamento de que os pacientes que tiveram a doença de forma mais leve teoricamente estão livres de sequelas. Isso procede?
De maneira alguma. As alterações são significativas e em pessoas que tiveram a doença de forma leve. Há relatos, por exemplo, de problemas de memória. Não podemos nos enganar – quem teve a doença, ainda que leve, não está livre das sequelas. Saber o quanto tempo vai durar estas sequelas exige mais tempo de estudos. Este tempo nos dirá se será um sintoma persistente (vírus fora do corpo) ou uma sequela do que ele deixou.
Gostaria que o senhor descrevesse sobre a possibilidade de conexão entre coronavírus e a diminuição do cérebro e questões cognitivas.
Por enquanto não temos evidências de neurodegeneracão, ou seja, não identificamos diminuição do cérebro. Mas alterações discretas e relações com doenças cognitivas, mesmo na forma leve da Covid-19. Estes pacientes, mais de 50 dias depois, mostram não conseguir raciocinar tão bem quanto no período anterior da Covid-19 e comparando com pacientes mentalmente sadias.
O senhor reitera nas suas entrevistas a necessidade de que as pessoas continuem, apesar da possibilidade de vacinação em massa, se protegendo. Este é o caminho?
Com certeza. A única coisa efetiva que temos hoje é higienizar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento seguro. Não existe nenhum tratamento comprovadamente científico para a Covid-19. A nossa maior esperança, e que parece mais próxima, é a vacina
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