O trabalho contou com a participação do brasileiro Paulo Mattos, psiquiatra e coordenador de pesquisa em neurociências do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino.
Relativização, preconceito, equívocos de diagnóstico e tratamento são questões frequentemente relacionadas a problemas de saúde mental. O TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) é um deles. A doença afeta cerca de 5,9% de crianças e adolescentes e 2,5% de adultos, segundo o maior consenso internacional sobre o assunto publicado no começo de fevereiro no periódico Neuroscience and Biobehavioral Reviews.
Segundo os 79 pesquisadores de 27 países envolvidos neste trabalho, “não dar a devida importância aos sintomas e efeitos do transtorno em crianças e adultos é estigmatizar as pessoas afetadas, reduzindo a credibilidade dos portadores e a chance de tratamentos preventivos”. E é por esta razão que um consenso se justifica.
O documento revisou estudos com mais de 2.000 participantes ou meta-análises de cinco ou mais estudos ou 2.000 ou mais participantes. Dessa literatura, foram extraídas afirmações baseadas em evidências sobre o transtorno.
O trabalho contou com a participação do brasileiro Paulo Mattos, psiquiatra e coordenador de pesquisa em neurociências do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. “Observamos na mídia leiga as mais diferentes abordagens sobre TDAH. A sociedade médica também já se deparou com profissionais da área afirmando coisas que não eram compartilhadas pelos pesquisadores e estudiosos do assunto. Ao se fazer um consenso internacional, profissionais do mundo inteiro que mais publicam sobre o assunto se reúnem para falar sobre ciência e esclarecer, com evidências, diferentes pontos do transtorno. Desde quando ele foi descrito pela primeira vez, até a forma como devemos diagnosticar e tratar”, explica Mattos.
Mais de 200 itens sobre TDAH foram considerados, revisados e comprovados cientificamente. Publicado com o título `The World Federation of ADHD International Consensus Statement: 208 Evidence-based Conclusions about the Disorder`, o documento traz 208 declarações a respeito do transtorno, de seu desenvolvimento e dos resultados e tratamentos, todas consentidas internacionalmente.
O objetivo do trabalho não é trazer novidades sobre a doença, mas, sim, reunir informações que já foram publicadas e checar sua validade e atualização.
Dentre as observações presentes no material, Mattos chama a atenção para dois pontos: “Uma coisa que o consenso deixa bem claro é que esse diagnóstico é clínico. Não há nenhum exame complementar para confirmá-lo. As pessoas se sentem inseguras, mas não existe exame para diagnóstico em psiquiatria. É assim com transtorno bipolar, esquizofrenia, autismo, transtorno do pânico, TOC, e com o TDAH não é diferente”.
Ainda sobre diagnóstico e tratamento, o médico e pesquisador aproveita para chamar a atenção para o cenário brasileiro. “Para a maioria da população ocorre uma falta de diagnóstico e, consequentemente, de tratamento. Se pegarmos o número total de portadores de TDAH e calcular a produção da indústria farmacêutica de ritalina [principal medicamento usado no tratamento do transtorno], temos que nem 1/3 dos pacientes do Brasil estão sendo medicados”.
O texto ainda enfatiza que muitos casos têm origem por meio de uma combinação de fatores genéticos e ambientais/físicos, como fumar durante a gravidez, traumatismo e complicações na hora do parto.
Além disso, pessoas que têm o transtorno trazem pequenas diferenças no cérebro em relação a quem não tem, nas regiões do córtex e subcórtex; e, quando não tratado corretamente, o TDAH pode se associar a diversos desfechos negativos.
“Nas crianças, os sintomas de TDAH se associam muito mais ao fracasso acadêmico e à evasão escolar. Essas crianças e adolescentes também têm muito mais risco de acidentes, por conta do próprio comportamento deles. Já na adolescência e início da vida adulta, aumentam-se os riscos do uso de álcool e substâncias ilícitas e, na vida adulta, estes efeitos adversos associam-se muito a um maior número de divórcios, ou seja, de fracassos em casamentos, e também de desemprego e de mortes por acidentes”, afirma o psiquiatra.
Em tempos de pandemia e isolamento social, o psiquiatra ressalta que é muito importante ter atenção aos problemas de saúde mental em geral e que, apesar do presente trabalho não abordar esta questão especificamente, ele observa que as crianças e os adolescentes que têm TDAH vêm sofrendo muito com o atual cenário.
“As aulas remotas são um desafio importante para quem tem TDAH porque são pessoas muito ativas e inquietas. Mesmo com o tratamento, elas têm dificuldade de ficar sentadas, principalmente de frente para a tela do computador, sem poder brincar e sair de casa. É uma realidade muito difícil para quem tem TDAH”, destaca.