Chip da beleza: quais os efeitos no coração?
Apesar de ter ganhado popularidade, pouco se fala sobre possíveis riscos à saúde, especialmente ao coração.
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Nos últimos anos, o chamado “chip da beleza” ganhou bastante popularidade entre pessoas que buscam benefícios como melhora na composição corporal, aumento da libido e até rejuvenescimento. No entanto, pouco se fala sobre os possíveis riscos à saúde, especialmente sobre como essa tecnologia pode impactar o coração.
No dia 18 de outubro de 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicou no Diário Oficial uma resolução comunicando a proibição da comercialização, da propaganda e do uso de implantes hormonais manipulados, os famosos “chips da beleza”.
A Anvisa também emitiu um alerta ressaltando que os implantes hormonais usados para fins estéticos ou de desempenho podem representar riscos à saúde, além de não terem sua segurança e eficácia comprovadas para esses propósitos.
Neste artigo, vamos explicar o que é o “chip da beleza”, seus efeitos no organismo e como ele pode influenciar a saúde cardiovascular. Continue lendo e saiba mais.
O que é o “chip da beleza”?
O chamado “chip” é um implante hormonal inserido sob a pele, no tecido subcutâneo, que libera substâncias como estradiol e gestrinona de forma contínua no organismo. Esses hormônios são usados em tratamentos médicos específicos, mas a sua aplicação como recurso estético ainda levanta questionamentos na comunidade científica.
Dra. Dhiãnah Santini, endocrinologista e diretora de Educação e Campanhas da Sociedade Brasileira de Diabetes, esclarece que o “chip da beleza” é um implante hormonal não regulamentado que, devido à ausência de estudos, ainda não possui dados sobre sua farmacocinética, farmacodinâmica, duração no organismo ou composição precisa. Não há controle de qualidade, lote, registro ou bula que assegurem sua segurança.
A especialista aponta que, no Brasil, o único implante hormonal aprovado pela Anvisa é o Implanon, anticoncepcional desenvolvido e comercializado por um laboratório, com estudos que garantem sua segurança e eficácia exclusivamente para esse fim.
“Atualmente, não existe nenhum outro tipo de implante contendo substâncias destinadas a tratar qualquer condição que tenha sido amplamente estudado e aprovado para uso. Qualquer ‘chip’ que não seja o Implanon não possui aprovação regulatória no país”, afirma.
A endocrinologista conta que o “chip da beleza” ganhou popularidade devido a médicos que começaram a implantar hormônios, como a testosterona e seus derivados, prometendo benefícios estéticos como perda de peso e aumento de massa muscular. Essa prática atraiu muitas mulheres, criando uma verdadeira “febre” em torno do procedimento.
Ela acrescenta que esses médicos, geralmente com forte presença em redes sociais e estratégias de marketing persuasivas, lucram significativamente com os implantes. A divulgação desse tipo de conteúdo nas mídias sociais contribuiu para a rápida disseminação da prática, mesmo sem comprovação científica ou aprovação regulatória para essas finalidades.
Diversas substâncias estão sendo inseridas nesses implantes, como medicamentos aprovados para outras finalidades, como metformina e semaglutida, além de hormônios sem aprovação global, como a gestrinona, um androgênio com efeitos anabólicos utilizado para promover perda de gordura e ganho de massa muscular. “Até substâncias como ocitocina, hormônio relacionado à lactação, têm sido incluídas, sem que se saiba os efeitos na saúde em longo prazo”, complementa Dra. Dhiãnah.
Os “chips da beleza” frequentemente contêm também substâncias derivadas da testosterona, conhecidas como anabolizantes, que podem gerar sérios riscos à saúde cardiovascular.
Efeitos do chip da beleza no coração
O “chip da beleza” tornou-se popular devido à promessa de benefícios estéticos. No entanto, sua composição e efeitos ainda são amplamente desconhecidos, pois, esses implantes não são regulamentados ou estudados para fins estéticos e nenhum outro fim. Embora os benefícios estéticos sejam amplamente divulgados, os possíveis impactos no sistema cardiovascular estão cada vez mais sendo observados.
Os compostos presentes nesses chips pioram significativamente os perfis lipídicos. Eles reduzem os níveis de HDL (colesterol bom), que protege o organismo, e aumentam os níveis de LDL (colesterol ruim), agravando o risco cardiovascular. Além disso, o aumento do hematócrito (glóbulos vermelhos), associado ao uso desses hormônios intensifica o risco de infarto e trombose, especialmente em pessoas com predisposição a doenças cardiovasculares.
De acordo com a endocrinologista, relatos médicos destacam problemas associados ao uso do “chip da beleza”, como:
- AVCs;
“Essas complicações graves foram surgindo, levando endocrinologistas, cardiologistas e hepatologistas a registrar esses casos em pacientes jovens e saudáveis”, alerta a especialista.
Além dos efeitos cardiovasculares, o uso do chip está associado a alterações hormonais significativas que impactam o coração, promovem aumento da pressão arterial e do colesterol e podem até elevar a frequência cardíaca. Esses hormônios também afetam o humor, podendo desencadear quadros de depressão e alterações comportamentais, tanto durante o uso quanto na retirada, com relatos de distúrbios graves, incluindo ideias suicidas.
Outras reações observadas incluem acne, ganho de peso, engrossamento da voz, aumento de pelos corporais e modificações irreversíveis na genitália feminina devido ao uso de testosterona em doses suprafisiológicas.
O “chip da beleza” pode interferir significativamente na prática de atividades físicas. Os esteroides anabolizantes frequentemente presentes nesses implantes são considerados doping, pois aumentam a força e a performance física. Contudo, esses efeitos vêm acompanhados de sérios riscos, incluindo sobrecarga no coração.
“Muitas pessoas, ao experimentarem benefícios iniciais como força, vigor e disposição, têm dificuldade em interromper o uso, perpetuando o ciclo de reaplicações e agravando os impactos negativos sobre a saúde. Vale ressaltar que, em competições esportivas, sejam elas amadoras ou profissionais, o uso de esteroides anabolizantes é proibido”, alerta a médica.
A endocrinologista destaca que os sintomas de que o “chip da beleza” pode estar afetando o coração podem variar entre os pacientes. “Alguns relatam dores no peito ou uma sensação de aumento de ansiedade. Outros podem apresentar aumento da frequência cardíaca, dores de cabeça ou mal-estar, que podem indicar elevação da pressão arterial”, exemplifica.
Em certos casos, os sintomas são sutis e só são identificados por meio de exames, como disfunções cardíacas leves ou sinais de sobrecarga detectados em um ecocardiograma. “Há situações em que os danos já estão em um estágio avançado antes de serem diagnosticados”, destaca.
Os rumos do “chip da beleza”
A pressão exercida por médicos e entidades preocupadas com a segurança levou à proibição do uso, comercialização e promoção do “chip da beleza” pela Anvisa em 18 de outubro de 2024. Contudo, uma brecha legall conquistada um mês depois pelos “chipólogos” junto aos Senado Federal e Anvisa, permite a prescrição para condições específicas, mediante controle rigoroso, como receita controlada e notificação compulsória de efeitos adversos.
Um ponto crítico citado pela Dra. Dhiãnah Santini envolve o conflito ético. Ela destaca que médicos que aplicam esses implantes frequentemente comercializam os próprios produtos, sem comprovação da origem ou qualidade das substâncias. “Pelo código de ética médica, o médico não deve vender nem comercializar nenhum remédio. Isso evidencia um grande e grave conflito de interesse que passa a ética”, ressalta.
“Uma vez que tivermos uma molécula devidamente estudada, comprovada sobre o benefício que é seguro, com certeza todos nós endocrinologistas, cardiologistas, iremos apoiar ou prescrever, porque pensamos obviamente na saúde do indivíduo, e, como regra, o médico não pode causar dano e malefício ao indivíduo. Ele pode até não conseguir curar uma doença, mas causar dano, isso fere o nosso código”, enfatiza Dra. Dhiãnah.
Ela destaca ainda que a falta de controle sobre a procedência dos implantes, o lucro elevado de sua comercialização e o conflito ético na prática médica são questões adicionais que reforçam os riscos dessa tendência. “A comunidade médica reforça que qualquer tratamento deve ser baseado em estudos que comprovem eficácia e segurança para proteger a saúde dos pacientes”, complementa.
A proibição dos “chips da beleza” pela Anvisa busca proteger a saúde da população contra os riscos associados. Para quem procura benefícios como vitalidade e equilíbrio hormonal, as alternativas seguras envolvem tratamentos regulados e adequados às necessidades reais do paciente.
Esses esteroides sexuais só são indicados para pessoas com deficiência comprovada de hormônios, como no caso de hipogonadismo, e mesmo assim em doses fisiológicas e com substâncias devidamente regulamentadas, inclusive a via de administração. “O ‘chip da beleza’, por conter substâncias não aprovadas e de origem desconhecida, não é recomendado nem mesmo para tratamentos endocrinológicos”, aponta.
“O fato de termos uma substância aprovada por via oral ou subcutâneo como por exemplo a semaglutida, não significa que seu uso é seguro na forma de implante. Precisa ser estudado a via de administração também”, complementa Dra. Dhiãnah.
Para mulheres no climatério ou menopausa, quando os hormônios femininos (estrogênio e progesterona) estão em queda, é possível realizar reposição hormonal, desde que não haja contraindicações.
A endocrinologista aponta que o uso de tratamentos hormonais é contraindicado para pacientes com histórico de doenças cardiovasculares, como angina, infarto, revascularização miocárdica, isquemia ou AVC. “Essas condições representam uma contraindicação absoluta ao uso de esteroides sexuais, sejam femininos ou masculinos, devido ao aumento do risco de trombose, infarto e AVC”, explica.
Dra. Dhiãnah Santini ressalta que o “chip da beleza” deve ser evitado por todas as pessoas, sem exceções. “Não há qualquer evidência de segurança ou eficácia em seu uso, e os dados disponíveis indicam que ele representa sérios riscos à saúde. Até o momento, não existe recomendação para o uso desse tipo de implante em nenhuma população ou país no mundo”, diz.
Entre os principais problemas associados, a especialista destaca alterações metabólicas, cardiovasculares, psiquiátricas, hepáticas e até renais. “Casos de insuficiência renal aguda grave também já foram relatados, resultando na perda da função renal e necessidade de diálise”, conta.
Antes de optar por qualquer tratamento hormonal, agende uma consulta com um dos especialistas D’Or e aposte em hábitos saudáveis como exercício físico, alimentação balanceada e controle do estresse. Não há atalhos para uma vida saudável, e sua saúde merece escolhas seguras e responsáveis.