Alterações cardiovasculares em pacientes com doença falciforme
Pacientes com doença falciforme possuem risco aumentado para desenvolver complicações cardiovasculares, como cardiomiopatia, hipertensão arterial e arritmias.
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A doença falciforme é uma condição hereditária causada por uma mutação no gene da hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio nos glóbulos vermelhos. Essa mutação gera uma hemoglobina defeituosa conhecida como HbS. Em situações de estresse ou desoxigenação, os glóbulos vermelhos podem alterar sua forma, adquirindo um formato de “foice” (meia-lua).
Dados do Ministério da Saúde apontam que no Brasil há aproximadamente de 60 mil a 100 mil pessoas com doença falciforme. O Brasil registra mais de um óbito por dia devido a doença, além de manter uma média de um óbito por semana entre crianças de 0 a 5 anos segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade do SUS.
De acordo com a Dra. Joanna Leal, hematologista da Oncologia D’Or Bahia, aproximadamente 30 a 50% dos pacientes com doença falciforme apresentarão alguma complicação cardiovascular. No dia 19 de junho, celebramos o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, uma oportunidade crucial para aumentarmos o conhecimento e a compreensão sobre essa condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.
Continue lendo e entenda quais são as alterações cardiovasculares em pacientes com doença falciforme.
O que é doença falciforme?
A doença falciforme é uma enfermidade genética causada por uma mutação no gene da hemoglobina. “Na doença falciforme ocorre uma anormalidade na hemoglobina que se refletirá na formação de glóbulos vermelhos rígidos e que assumem o formato de foice. Isso faz que o paciente desenvolva uma anemia crônica, pois essa célula é destruída mais facilmente”, descreve Dra. Joanna Leal, integrante da equipe de hematologia dos hospitais Cardiopulmonar e Aliança, ambos da Rede D’Or.
“Além disso, essas células defeituosas obstruem os pequenos vasos da circulação, reduzindo a adequada oxigenação de inúmeros tecidos, como rins, cérebro e osso”, complementa a médica. Estes episódios vaso oclusivos podem provocar crises de dor intensa e danos a diversos órgãos do corpo, incluindo o coração.
“Chamamos de anemia falciforme (HbSS) apenas a apresentação em homozigose da doença, quando o paciente herdou a mesma informação genética de ambos os pais. Para os demais casos em que há associação com outras hemoglobinopatias como, por exemplo, a beta-talassemia ou hemoglobinopatia C, a nomenclatura adequada é doença falciforme”, explica a médica.
Apesar dessas distinções, as doenças falciformes cursam com manifestações clínicas semelhantes e merecem atenção especial. Essas patologias acarretarão inúmeros impactos sistêmicos como anemia crônica e alterações da microcirculação, que a longo prazo contribuirão para lesão de órgãos vitais, como o coração.
Como a doença falciforme pode influenciar a saúde cardiovascular
As alterações cardiovasculares em pacientes com doença falciforme são ocasionadas por uma soma de fatores crônicos.
“Neste cenário, tentando compensar essa oxigenação inadequada, tanto pela anemia como pela redução de oferta de oxigênio por essas obstruções e inflamação sistêmica secundária, o coração começa a trabalhar em ‘alta performance’ de forma ininterrupta”, ressalta Dra. Joanna.
A inflamação e o estresse oxidativo associados à anemia falciforme também contribuem para os danos ao coração e aos vasos sanguíneos. “Adicionalmente, muitos desses pacientes estão em terapia transfusional crônica, o que pode levar a um acúmulo inadvertido de ferro que é tóxico, especialmente para o fígado e para o músculo cardíaco”, complementa.
Como funciona o coração de um paciente com doença falciforme
“De forma simplificada, poderia dizer que, para compensar as alterações citadas, o coração aumenta a frequência cardíaca e reduz a resistência dos vasos periféricos, na tentativa de aumentar o volume de sangue bombeado, o que chamamos de aumentar o débito cardíaco”, explica Dra. Joanna.
Este mecanismo de compensação ativa outro sistema associado aos rins, responsável por intensificar a retenção de sal e líquidos, resultando no aumento do volume disponível no organismo. A persistência dessas adaptações contribui para a dilatação das câmaras cardíacas e para o espessamento, ou seja, hipertrofia de suas paredes, o que pode levar ao desenvolvimento de cardiomiopatia um tipo de insuficiência cardíaca – quando o bombeamento de sangue pelo coração passa a ser insuficiente para o corpo funcionar bem.
“Atualmente, as complicações cardiovasculares são uma das principais causas de morbimortalidade nessa população, gerando um grande impacto na qualidade de vida”, destaca.
Alterações cardiovasculares em pacientes com doença falciforme
Os pacientes com doença falciforme possuem risco aumentado para desenvolver várias complicações cardiovasculares. Entre as alterações cardiovasculares mais comuns, a Dra. Joanna Leal destaca:
– Cardiomiopatia, é o enfraquecimento gradual do coração após período longo de “hiperatividade”. “Especialmente disfunção diastólica do ventrículo esquerdo”, afirma.
– Hipertensão pulmonar, que é o aumento das pressões nos vasos sanguíneos pulmonares;
– Hipertensão arterial (pressão alta);
– Arritmias. “Risco aumentado principalmente naqueles em programas de transfusão crônica pelo excesso de ferro “, ressalta.
– Aumento do risco de morte súbita.
“Os sintomas cardiovasculares nesta população são semelhantes aos de pacientes com cardiopatia por outras causas, como taquicardia, intolerância aos esforços, falta de ar, entre outros”, complementa.
Como monitorar a saúde cardiovascular de pacientes com doença falciforme?
O monitoramento da saúde cardiovascular de pacientes com doença falciforme é fundamental para garantir um acompanhamento adequado e prevenir complicações. “Realizamos, de forma regular, exames como ecocardiograma transtorácico e eletrocardiograma para avaliação.”, explica Dra. Joanna.
A hematologista ressalta que o teste de caminhada de seis minutos também é uma ferramenta simples e valiosa para avaliar a saúde cardíaca. Em situações em que há comprovação de sobrecarga de ferro, a médica aponta que a realização de uma ressonância cardíaca se torna essencial para investigar possíveis depósitos musculares.
“Quando identificamos alguma alteração, solicitamos o apoio do colega cardiologista, para complementação com exames mais específicos”, conclui.
Como minimizar e prevenir complicações cardiovasculares em pacientes com doença falciforme
Para a redução do risco de complicações em pacientes com doença falciforme, é essencial adotar uma abordagem multidisciplinar e personalizada. Ao implementar medidas de forma integrada e adaptada às necessidades individuais de cada paciente, é possível minimizar o impacto das alterações cardiovasculares e promover uma melhor qualidade de vida para essa população.
“Um melhor controle das crises vaso oclusivas e estabilização dos níveis de hemoglobina são fundamentais para minimizarmos essas complicações. Para isso, uma avaliação hematológica é essencial para checarmos se o paciente é elegível a alguma abordagem terapêutica e realizarmos seu seguimento de forma regular, sempre atentos a potenciais lesões de órgãos-alvo”, explica Dra. Joanna.
A hematologista aponta que naqueles em que uma alteração cardíaca já foi documentada, medicamentos como diuréticos, entre outros específicos para disfunção cardíaca, poderão ser usados, conforme indicação do cardiologista.
“Um outro ponto é o controle adequado das comorbidades, como hipertensão arterial (pressão alta), dislipidemia (“colesterol alto”) e diabetes, e, principalmente nos casos de programa de transfusão crônica, vigiar os níveis de ferro. Se preciso, realizamos tratamento específico para redução dos níveis de ferro (quelar), a fim de minimizar a toxicidade deste”, ressalta.
Manter um acompanhamento regular, com realização dos exames de rotina para a identificação e abordagem precoce de qualquer alteração que surja, é o ponto de partida. Com isso, é possível checar os fatores de risco que necessitam de intervenção.
“É importante também, quando possível, manter uma rotina de atividade física e alimentação adequada, de acordo com a orientação e liberação médica”, aconselha.
As alterações cardiovasculares são complicações sérias que podem impactar significativamente na qualidade de vida dos pacientes com doença falciforme. Se você ou um ente querido tem doença falciforme já com alguma alteração cardiovascular, é importante manter um acompanhamento regular com um cardiologista e seguir as orientações médicas para gerenciar a saúde cardiovascular. Consulte um de nossos especialistas.