O diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica crônica caracterizada pela hiperglicemia persistente, resultante de defeitos na secreção e/ou na ação da insulina. O diagnóstico precoce é essencial para prevenir complicações cardiovasculares, renais e neurológicas. Para isso, diversos testes laboratoriais são utilizados, incluindo a glicemia de jejum (GJ), a hemoglobina glicada (HbA1c) e o teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO). O TTGO é um dos principais exames laboratoriais para diagnóstico de diabetes mellitus e de hiperglicemia intermediária. Tradicionalmente, o TTGO de 2 horas (TTGO-2h) tem sido amplamente utilizado, mas evidências recentes sugerem que o TTGO de 1 hora (TTGO-1h) pode oferecer vantagens clínicas e práticas. Diante disso, a International Diabetes Federation (IDF) e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomendaram, em 2024, a utilização do TTGO-1h para o diagnóstico de diabetes e pré-diabetes, considerando sua maior capacidade de identificação precoce da doença. Neste documento, exploramos as diferenças entre o TTGO-1h e o TTGO-2h, destacando suas vantagens, as populações que mais se beneficiam deste teste e as recomendações sobre sua realização. ________________________________________ TTGO-1h: Características e Vantagens em Relação ao TTGO-2h O TTGO-1h se diferencia do TTGO-2h por ser um exame mais rápido e de execução mais prática. Ambos os testes consistem na administração de 75g de glicose por via oral e na posterior mensuração dos níveis de glicose plasmática. No entanto, o TTGO-1h possui vantagens significativas: 1. Maior praticidade e adesão: O tempo de espera reduzido melhora a adesão dos pacientes e diminui as taxas de desistência, além de reduzir a ocupação de laboratórios. 2. Capacidade preditiva superior: Estudos demonstram que o TTGO-1h é um melhor preditor do desenvolvimento de diabetes tipo 2 e de doenças cardiovasculares quando comparado ao TTGO-2h. Em um estudo, a glicose de 1 hora apresentou uma área sob a curva (AUC) maior do que outros parâmetros glicêmicos, incluindo a glicose de 2 horas, indicando uma capacidade preditiva superior. Outro estudo confirmou que a glicose de 1 hora é um marcador mais precoce de risco elevado para pré-diabetes e diabetes tipo 2 do que a glicose de 2 horas. 3. Pontos de corte mais precisos: A literatura estabelece que uma glicemia ≥ 209 mg/dL no TTGO-1h equivale ao critério diagnóstico de diabetes (≥ 200 mg/dL no TTGO-2h). Já para pré-diabetes, um valor entre 155 e 208 mg/dL no TTGO-1h identifica indivíduos com risco aumentado. 4. Melhor reprodutibilidade: A glicemia de 1 hora tem menor variabilidade intraindividual quando comparada à glicemia de 2 horas, reduzindo a necessidade de repetição do exame. 5. Diagnóstico precoce: permite a identificação de alterações metabólicas mais precocemente, aumentando as chances de intervenção eficaz e prevenção de complicações, pois é um marcador mais sensível para a disfunção das células β, o que pode permitir a identificação precoce de indivíduos em risco de desenvolver diabetes tipo 2. Estudos demonstram que a glicose plasmática de 1 hora (1-h PG) é mais sensível à deterioração da função das células β do que a glicose plasmática de 2 horas (2-h PG), permitindo a detecção de indivíduos em risco em um estágio mais inicial. 6. Vantagem econômica: A redução do tempo de permanência no laboratório e a necessidade menor de repetição de exames tornam o TTGO-1h potencialmente mais custo-efetivo. Populações que Devem Priorizar o TTGO-1h O TTGO-1h é especialmente indicado para grupos de risco aumentado para diabetes tipo 2. Entre as populações que mais se beneficiam deste teste, destacam-se: Grupo Populacional Justificativa Indivíduos com histórico familiar de diabetes Maior risco genético para DM2 Pessoas com sobrepeso ou obesidade Resistência à insulina elevada Mulheres com histórico de diabetes gestacional Maior risco de DM2 no pós-parto Pacientes com síndrome metabólica Associação com maior risco cardiometabólico Pessoas com doença cardiovascular estabelecida Diabetes subdiagnosticado comum nesses pacientes Indivíduos com síndrome dos ovários policísticos Relação com resistência insulínica Momento Ideal para a Realização do TTGO-1h A realização do TTGO-1h deve seguir diretrizes específicas para garantir a identificação precoce do diabetes tipo 2 e de estados intermediários de hiperglicemia: • Idade recomendada: O rastreamento deve ser iniciado a partir dos 35 anos em indivíduos assintomáticos e antes dessa idade na presença de fatores de risco. • Fatores de risco que justificam a testagem precoce: IMC ≥ 25 kg/m² (ou ≥ 23 kg/m² para asiáticos) Hipertensão arterial HDL 250 mg/dL Histórico de doença cardiovascular Diabetes gestacional prévio Acantose nigricans Sedentarismo • Periodicidade: Para indivíduos sem alterações, recomenda-se repetir o exame a cada 3 anos. Para aqueles com pré-diabetes ou alto risco, a testagem deve ser anual. Conclusão A incorporação do TTGO-1h como ferramenta diagnóstica preferencial representa um avanço significativo na detecção precoce do diabetes mellitus tipo 2. Sua recomendação oficial pela SBD em meados de 2024 reforça a necessidade de ampla adesão por parte dos laboratórios e profissionais de saúde. Ao otimizar a triagem e permitir intervenções precoces, o TTGO-1h tem o potencial de reduzir significativamente o impacto do diabetes e suas complicações na população. Referências: 1. Enhanced Predictive Capability of a 1-Hour Oral Glucose Tolerance Test: A Prospective Population-Based Cohort Study. Pareek M, Bhatt DL, Nielsen ML, et al. Diabetes Care. 2018;41(1):171-177. doi:10.2337/dc17-1351. 2. Melanie Rodacki, Roberta A. Cobas, Lenita Zajdenverg, Wellington Santana da Silva Júnior, Luciano Giacaglia, Luis Eduardo Calliari, Renata Maria Noronha, Cynthia Valerio, Joaquim Custódio, Mauro Scharf, Cristiano Roberto Grimaldi Barcellos, Maithe Pimentel Tomarchio, Maria Elizabeth Rossi da Silva, Rosa Ferreira dos Santos, Bianca de Almeida-Pitito, Carlos Antonio Negrato, Monica Gabbay, Marcello Bertoluci | Diagnóstico de diabetes mellitus. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024). DOI: 10.29327/5412848.2024-1, ISBN: 978-65-272-0704-7. 3. One-Hour Postload Glucose Is a More Sensitive Marker of Impaired Β-Cell Function Than Two-Hour Postload Glucose. Lu J, Ni J, Su H, et al. Diabetes. 2025;74(1):36-42. doi:10.2337/db24-0652. 4. 1-Hour Post-Load Glucose: Early Screening for High Risk of Type 2 Diabetes in Koreans With Normal Fasting Glucose. Lee MJ, Bae JH, Khang AR, et al. The Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism. 2024;:dgae632. doi:10.1210/clinem/dgae632. 5. One-Hour Glucose Is an Earlier Marker of Dysglycemia Than Two-Hour Glucose. Ha J, Chung ST, Bogardus C, et al. Diabetes Research and Clinical Practice. 2023;203:110839. doi:10.1016/j.diabres.2023.110839. 6. Saving Time by Replacing the Standardised Two-Hour Oral Glucose Tolerance Test With a One-Hour Test: Validation of a New Screening Algorithm in Patients With Coronary Artery Disease From the ESC-EORP EUROASPIRE v Registry. Ferrannini G, De Bacquer D, Gyberg V, et al. Diabetes Research and Clinical Practice. 2022;183:109156. doi:10.1016/j.diabres.2021.109156.