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No início do mês, o periódico Blood publicou um artigo do qual participaram o IDOR e outras dez instituições nacionais e internacionais. O estudo foi fruto de cerca de seis anos de pesquisa e trouxe novidades reveladoras, que podem ser um novo caminho a seguir nas alternativas contra dengue e influenza, a famosa gripe. A descoberta rendeu aos autores a imagem de capa da revista.
No início deste ano, o Ministério da Saúde acusou um aumento de 264,1% nos casos de dengue no país, que passaram de 62,9 mil para 229.064 ocorrências, em comparação com o começo de 2018. A maior concentração da epidemia está na região Sudeste, que computou mais da metade dos casos. Considerando que o número de óbitos também cresceu consideravelmente, as buscas por soluções para essa epidemia se tornaram há muito uma urgência para cientistas e pesquisadores.
Os registros da doença, embora recorrentes, são também oscilantes. O período entre 2016 e 2018, por exemplo, vinha apresentando uma queda na quantidade de casos, o que não se mostrou uma constante, como provam os Órgãos de saúde. Aparentemente, o que se mantém estável é o fato de que ainda não encontramos tratamentos nem vacinas que possam virar, de uma vez por todas, esse quadro epidêmico no país. Mas, recentes descobertas acabam de nos deixar um passo mais próximos desse objetivo.
Na pesquisa publicada na Blood, foi descoberto que algumas células e componentes do sangue possuem uma resposta antiviral inata, que nunca havia sido observada em megacariócitos e plaquetas. Calma lá, vamos explicar. Os megacariócitos são as células que constituem nossa medula óssea, tecido que preenche a cavidade interna de vários ossos e funciona como uma “fábrica” de componentes sanguíneos, como os glóbulos vermelhos, os glóbulos brancos e as plaquetas.
Diferentemente dos glóbulos brancos, que são notadamente conhecidos por suas funções imunológicas, as plaquetas sempre foram relacionadas à coagulação sanguínea. Quando nos machucamos, por exemplo, elas são enviadas para impedir a perda contínua de sangue, possibilitando a cicatrização do ferimento. O que não sabíamos, até agora, era que as plaquetas também possuem uma função imunológica, que comunica ao nosso sistema a presença de determinados vírus, e possibilita que algumas células desenvolvam uma proteção reforçada para evitar a infecção. Uma verdadeira estratégia de guerra.
O que ocorre no sangue
Os megacariócitos, produtores das plaquetas, são as verdadeiras mentes por traz dessa defesa. Quando uma dessas células é infectada por um vírus, ela solta no sangue uma proteína chamada interferon, isto é, uma espécie de alarme sanguíneo para os outros megacariócitos, que ao identificarem esse sinal, reforçam a sua proteção celular e ficam resistentes ao vírus. As plaquetas que são então produzidas nesse “estado de guerra”, também passam a ter a mesma capacidade de se proteger e de alertar umas às outras sobre a presença de componentes inimigos no sangue. Mas se temos essa capacidade de defesa, por que ficamos doentes?
O Dr. Fernando Bozza, pesquisador do IDOR e um dos autores do estudo, explica que o processo é realmente uma batalha, que podemos vencer ou não. Mas, segundo ele, costumamos estar na vantagem, “A grande maioria das pessoas que é infectada pelo vírus da dengue, não desenvolve os sintomas. É o que chamamos de doença subclínica, você nem sempre fica mal, ou de cama. Pode haver febre ou dor de cabeça por um dia ou dois, mas passa despercebido, e você pode até ter achado que estava com algum tipo de gripe”, revela Dr. Bozza, acrescentando que esse quadro assintomático também ocorre em casos de influenza.
Para o pesquisador, está claro que nosso corpo pode nos proteger da doença, o que não sabemos ainda é o motivo pelo qual algumas pessoas não obtêm esse sucesso. Um fenômeno observado na dengue é que ela causa uma diminuição no número de plaquetas em nosso sangue, sendo a dengue hemorrágica o pior cenário, onde esse sintoma é mais agravado. A pesquisa publicada aponta que esse fator pode ser um ponto-chave para a queda da imunidade, mas o Dr. Fernando Bozza alerta que existem outros aspectos relevantes a serem considerados antes dessa afirmação, e até mesmo antes da produção de medicamentos e vacinas. “Os efeitos da pesquisa foram observados em um prazo curto, não sabemos se eles se mantêm, ou como podemos tornar essa resposta imunológica mais efetiva. No estudo nós apenas identificamos e caracterizamos o fenômeno, mas é possível que isso seja um caminho para gerar vacinas eficientes, no futuro”, conclui o pesquisador.
A guerra contra a dengue ainda não terminou, mas podemos considerar que vencemos mais uma batalha, e que agora sabemos que nosso sangue é um grande aliado neste percurso. Portanto, a pesquisa que já data seis anos, deve continuar em atividade por mais alguns, ou até ultrapassarmos esse grande obstáculo na saúde pública. Até lá, que venham as novas descobertas.