O Dr. Sérgio lidera há mais de 20 anos um grupo de pesquisas voltado para a investigação do papel dos oligômeros de beta-amiloide na DA. “Desde que foram descritos como possíveis toxinas no Alzheimer, há 24 anos, mais de 5 mil artigos científicos mostram os possíveis impactos negativos desses oligômeros no funcionamento das sinapses e do cérebro, inclusive muitos estudos do nosso grupo. Desde o começo dos anos 2000 nós estudamos esse tema”, informa. Ele explica que as placas de beta-amiloide podem não ser tão importantes para o Alzheimer porque elas ficam acumuladas em áreas específicas, enquanto os oligômeros são solúveis, circulam pelo líquor e, por serem menores, se ligam aos neurônios, prejudicando as sinapses em várias partes do cérebro, o que causaria maior perda de memória e confusão mental.
“Acredita-se hoje que as placas são como uma espécie de depósito de lixo, um lugar em que o cérebro vai amontoando aquela proteína tóxica para minimizar o problema. Na borda desse ‘lixão’ você vai ter problemas, mas não longe dele. Já os oligômeros seriam como os sacos de lixo pequenos, são solúveis e se dissolvem no líquor, e ficam passeando pelo cérebro atacando as sinapses. Por exemplo, é como se as placas fossem um aterro sanitário e os oligômeros o lixo espalhado nas ruas, e esses últimos, sim, vão tapar bueiros e causar inundações”, facilita o cientista.
Interessados em uma forma de agir isoladamente nesses oligômeros, os autores do artigo utilizaram um mini-anticorpo artificial, que foi desenvolvido em 2017 a partir da colaboração do grupo em outro estudo. “Isso se iniciou anos atrás, com o Adriano Sebollela, em uma colaboração da Northwestern University, nos EUA, com a USP Ribeirão Preto e a UFRJ. Ele identificou anticorpos naturais que se ligam preferencialmente aos oligômeros. A partir daí, ele sequenciou o DNA que dá origem ao anticorpo e nós pegamos o pedacinho da sequência genética que era responsável pelo reconhecimento desse oligômero, e a utilizamos para criar o anticorpo artificial, o NUsc1”, relembra.
Mas a forma de aplicar esses anticorpos não favorecia seu uso clínico, pois seria necessário realizar injeções periódicas no líquor dos pacientes. “Foi aí que pensamos, ‘E se a gente conseguir ensinar os nossos neurônios a produzir essa molécula?’. Então, colocamos a sequência genética de DNA do NUsc1 em um vetor viral atenuado capaz de infectar neurônios, mas que, em vez de causar doença, faz com que o neurônio passe a produzir aquela molécula. É uma terapia gênica, estamos modificando a genética da célula para que ela produza algo que não produzia antes. No caso, estamos ensinando o neurônio a produzir um anticorpo artificial e pequeno, incapaz de causar inflamação neural”.
O estudo foi realizado em camundongos com DA. O vetor viral foi injetado apenas uma vez e foi observado que os neurônios dos roedores passaram a produzir o NUsc1. Os resultados também foram os esperados: a proliferação dos anticorpos reduziu o comprometimento da memória induzido pelos oligômeros de beta-amiloide e, notavelmente, reverteu os déficits de memória nos camundongos, um resultado de potencial relevância para a comunidade científica e para as pessoas afetadas pela DA.
Ao ser perguntado pelo futuro do estudo, o Dr. Sérgio se mostra esperançoso, contudo, informa que ainda existem muitas pesquisas e testes a serem feitos. “Um próximo passo importante seria conseguir parcerias na indústria biofarmacêutica para desenvolver a ferramenta que criamos e aplicar em um futuro ensaio clínico. Iniciamos essa pesquisa há mais de sete anos, e na época esse vetor viral era o melhor que tínhamos. Hoje já existem vetores melhores. Em vez de injetar o vírus no cérebro do paciente, quem sabe a gente poderia fazer isso pelo sangue, o que seria menos invasivo e o vírus chegaria ao cérebro pela barreira hematoencefálica. Mas, antes mesmo de pensar em ensaios com pessoas, precisaríamos testar em modelos animais mais próximos ao humano, como outros primatas, para entender melhor a segurança. Seria um pulo grande partir dos efeitos observados em cérebros de camundongos direto para pesquisas em seres humanos”, esclarece o pesquisador.
Mesmo que ainda muito incipiente para ser considerada uma futura terapia, a nova descoberta é, no mínimo, otimista para as pessoas diagnosticadas, seus familiares e cuidadores que convivem com a DA, principalmente quando há mais de 100 anos permanece a carência de medicamentos eficientes e com poucos riscos adversos aos pacientes.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu