Stevens Rehen, cientista do IDOR e UFRJ, afirma que o investimento em ciência é essencial no combate à pandemia.
A prioridade é saber onde o vírus está. E só a ciência o encontrará.
Hoje, o mundo inteiro só tem dois objetivos: reduzir o número de óbitos causados pelo novo coronavírus e, o mais brevemente possível, se tudo correr bem, desenvolver a cura, uma vacina, um tratamento, um novo antiviral…
Só que o diabo mora nos detalhes.
Entre o objetivo um (reduzir mortes) e o objetivo dois (a cura) há um longo caminho… que poderá ser longo demais se não soubermos desde já onde o vírus está, em quem e por quanto tempo.
Além de (muito) recurso para a saúde, é preciso dinheiro para a ciência.
É preciso desenvolver testes diagnósticos rápidos e em quantidade continental.
O consenso atual é que seria impossível a curto prazo, mas a médio prazo talvez seja a única alternativa para evitar uma hecatombe social e econômica sem precedentes.
O motivo é “simples”. Sem saber onde está o inimigo, essa guerra poderá durar bem mais do que imaginamos.
E “achatar a curva”, como muitos têm preconizado, não irá resolver sozinha a questão.
Distribuindo o número de casos ao longo do tempo, o sistema de saúde permanecerá sobrecarregado por meses.
John Ioannidis, pesquisador de Stanford, alertou que nesses hospitais lotados, o risco de morrer pelas doenças mais comuns, como ataques cardíacos, derrames, traumas, sangramentos será enorme.
Para sair dessa encruzilhada, precisamos de informações sobre a atividade epidêmica, onde o vírus está, com quem, por quanto tempo.
Sem esses dados, podemos até achatar a curva, mas não evitaremos a sobrecarga médica e muito menos saberemos até quando medidas de isolamento social e os bloqueios deverão ser mantidas.
Por quanto tempo aguentaremos em grupos isolados, sob estresse constante, sem contato físico, sem beijos e abraços? Imaginemos a saúde mental de milhões de pessoas confinadas por meses.
Precisamos de dados sobre a prevalência e incidência do coronavírus para tomar decisões.
Ioannidis, fez cálculos a partir de um universo amostral definido, os turistas confinados no cruzeiro Diamond Princess, onde todos foram testados. A partir daí, estimou que o número de mortos nos Estados Unidos será de 1%.
Em termos globais, assumindo que 60% da população será infectada, estamos falando de mais de 40 milhões de óbitos, não distribuídos igualmente entre países pobres e ricos.
Seria como a volta da gripe espanhola, cem anos depois.
Só que nesse século a ciência evoluiu bastante e dela dependemos para reduzir os estragos e, sem exageros, salvar mais uma vez a humanidade.
Daqui a muitos meses ou alguns anos, surgirão medicamentos e vacinas para o coronavírus, mas não podemos esperar, é preciso buscar maneiras de tornar o coronavírus visível agora.
No dia 18 de março, o Ministro da Saúde, Luiz Mandetta, fez um pronunciamento tecnicamente impecável, sobre as medidas a serem tomadas, mas reconheceu que seria irreal testar toda a população.
Por outro lado, disse que sua equipe começará uma varredura de propostas de testagem já enviadas ao Ministério.
Uma ideia complementar seria chamar o Ministro da ciência, tecnologia, inovações e comunicações (MCTIC) para a guerra.
As últimas postagens de Marcos Pontes no Twitter foram sobre grafeno e ampliação da velocidade da banda larga (para combater o coronavírus).
Sim, importante, mas precisamos localizar o vírus.
Nos últimos anos, a ciência brasileira foi mais sucateada do que nunca, sem o mínimo de recursos, perdeu pessoal para o exterior.
É o momento de reverter a situação. Afinal, todas as esperanças do mundo estão na ciência.
A ciência trará as soluções, mas que custam dinheiro. Nesse sentido, a Coreia é um exemplo a ser seguido.
Seu programa de testes é o mais abrangente e organizado do mundo, combinando esforços para isolar pessoas infectadas, rastrear e colocar em quarentena aqueles com quem tiveram contato.
O Brasil tem 4 vezes a população da Coreia. Precisaria de esforço inédito e ajuda de todos, para se aproximar do que foi realizado naquele país.
O MCTIC, através do CNPq e CAPES, poderia convocar universidades, institutos de pesquisa, laboratórios numa força tarefa nacional sem precedentes para a testagem em massa.
Há centenas de laboratórios brasileiros que dominam as técnicas básicas de biologia molecular necessárias à realização de testes e desenvolvimento de novas estratégias de diagnóstico.
Da mesma forma que proposto por Roberto Medronho, Professor da UFRJ, para hospitais de campanha organizados pelo exército.
Nesse caso, seriam laboratórios “de campanha” contando com a mão de obra de pesquisadores e bolsistas das universidades e centros de pesquisa a procurar pelo coronavírus no Brasil.
Com investimento e treinamento básico essa rede de milhares de cientistas poderia aplicar testes com o objetivo de triagem e também nos locais de maior incidência de doentes suspeitos.
A contra-prova, em menor número, continuaria, claro, com laboratórios e hospitais de referência.
Como disse o Diretor-General da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus: “test, test, test”.
STEVENS REHEN, professor titular da UFRJ, cientista do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
Este texto foi reproduzido do Estadão. Confira a matéria original clicando aqui.