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Solidão nas grandes cidades afeta diferentes grupos sociais e agrava problemas de saúde mental

Solidão nas grandes cidades afeta diferentes grupos sociais e agrava problemas de saúde mental

Estudo do IDOR analisou pesquisas sobre o isolamento involuntário nos centros urbanos e identificou intervenções que podem auxiliar na qualidade de vida da população

Os centros urbanos aparentam ser o triunfo da evolução humana sobre a natureza, e talvez por isso maior parte de nossa espécie habite nas selvas de pedra. Contudo, problemas de saúde mental também são prevalentes nesses ambientes, sendo paradoxalmente a solidão um sentimento catalisador desses processos. Pensando no impacto da solidão nas grandes cidades, principalmente após os longos períodos de isolamento social ocasionados pela pandemia de covid-19, um estudo do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) buscou levantar as principais pesquisas científicas feitas sobre o tema nos últimos anos, ressaltando também intervenções que podem ter eficácia na redução do sentimento de isolamento nos centros urbanos. Os resultados do estudo foram publicados no periódico científico Current Opinion in Psychiatry.

Centros urbanos são recentes para a espécie humana

Considerando o caminho percorrido até aqui, como espécie, abandonamos o nomadismo, o forrageamento e a caça para produzir nosso próprio alimento, depois passamos a comercializar os excedentes de produção e a viver em comunidades cada vez mais diversas e populosas, que exigiram governanças mais complexas, novas ocupações, e foram palco para o desenvolvimento de basicamente tudo o que conhecemos hoje em dia. Mas, quando pensamos que temos algumas centenas de milhares de anos como Homo sapiens, o processo urbano é ainda muito recente para nós, que passamos maior parte da nossa vida evolutiva em comunidades de até 150 pessoas, intimamente integradas através de redes familiares.

Segundo o artigo, embora a solidão seja uma percepção subjetiva e apresente diferentes parâmetros culturais, alguns estudos apontam que ambientes com grande concentração de pessoas que não possuem qualquer relação familiar podem acentuar os sentimentos de isolamento. Há também relatos científicos de que a solidão afeta negativamente a saúde mental e aumenta as taxas de mortalidade, sendo até capaz de mudar a circuitaria neuronal dos nossos cérebros.

Os autores relatam que a solidão já era um tema relevante em pesquisas científicas, mas emergiu como uma preocupação global principalmente após os efeitos do isolamento social compulsório durante a pandemia de covid-19, que teve início em 2020. Levando isso em consideração, eles avaliaram as principais publicações científicas sobre a solidão desde esse período até o final de 2022, totalizando 82 estudos analisados a partir de um levantamento na Pubmed, a principal plataforma internacional para busca de artigos científicos na área biomédica.

Estudos sobre a solidão nas cidades são poucos e produzidos apenas por países desenvolvidos

Dessas oito dezenas de estudos, a maioria foi realizada por países como Estados Unidos, China e nações europeias, não sendo encontrado um único representante da África e das Américas Central e do Sul nas buscas. Além disso, apenas 2 dos artigos analisados realmente tinham os centros urbanos como foco das intervenções sobre solidão, dados que destacam a necessidade de mais pesquisas adaptadas às populações urbanas, além de maior representatividade científica dos países emergentes no debate sobre o tema.

Do total analisado, 44 estudos testavam intervenções para a redução da solidão, sendo que metade dessa amostra era focada apenas em ações para a população idosa, enquanto apenas 7 artigos tinham em mente a população mais jovem. Os autores da análise comparativa comentam que, embora os idosos tenham sido claramente o principal grupo de risco durante a pandemia, os jovens também foram fortemente impactados pelo isolamento social, e a falta de atenção a essa faixa etária mostra uma negligência com essa população e com sua vulnerabilidade à solidão.

Intervenções podem reduzir sensação de isolamento

Das muitas intervenções observadas no estudo, boa parte apresentou natureza tecnológica, com atividades baseadas em videoconferência e uso de aplicativos. Um dos casos ressaltados pelo atual estudo foi uma intervenção de baixo custo, que treinou voluntários para fazerem ligações telefônicas empáticas a idosos que podiam estar sofrendo com a solidão. Cada voluntário apoiava seis a nove participantes com o objetivo de conversar por 10 minutos em cada ligação, mas os idosos podiam escolher estender esse tempo de contato. No final da intervenção, os resultados sugeriram melhoras no sentimento de isolamento observado por esses participantes.

Outra intervenção destacada foi um ensaio clínico randomizado com foco em jovens adultos australianos. A iniciativa se baseava no Groups 4 Health, um programa que tem como alvo o sofrimento psicológico causado pela desconexão social, e que utiliza a identidade de grupo como eixo de suas intervenções. Após um ano de observação, os participantes desse ensaio clínico mostraram ligeira vantagem na redução da solidão quando comparados com grupos de terapia convencional.

Segundo os autores que analisaram esses estudos sobre solidão, a falta de identidade social pode estar associada a taxas elevadas do sentimento de isolamento nas grandes cidades, especialmente para as minorias políticas e imigrantes, o que destaca a importância de intervenções em grupo que fomentem conexões através de identidades em comum.

Outro fator observado pela publicação atual é que intervenções de direcionamento religioso também podem ter maior eficácia em seus resultados, desde que aplicadas a uma população que se identifique com essas crenças. Em outras palavras, os pesquisadores destacam que a adequação e identidade culturais são fatores muito relevantes na redução da solidão, e devem ser levados em consideração em iniciativas que busquem promover a conexão social.

 

Reduzir a solidão é um interesse de saúde pública

Os cientistas ressaltam que muitos dos estudos analisados não utilizaram um padrão-ouro em suas metodologias para coleta de dados, e que o tamanho dos grupos de intervenção muitas vezes era pequeno para projetar seu efeito em largas escalas. Ainda assim, o aumento de pesquisas sobre o tema ressalta a crescente importância dos efeitos da solidão nas sociedades modernas, e alguns resultados desses estudos se mostraram relevantes para a conscientização e discussão do isolamento social como um agravante para problemas de saúde mental.

Utilizar tecnologias a favor de políticas públicas ou iniciativas independentes para a redução do isolamento social pode ser um caminho promissor e preventivo para problemas de saúde mental agravados pela solidão. Mas é necessário ainda prestar a devida atenção em como pessoas de diferentes comunidades e faixas etárias percebem o isolamento, para que se possam ser pensadas intervenções personalizadas, mais adequadas e efetivas para a população heterogênea dos grandes centros urbanos.

Terapia de Grupo oferece suporte social e enriquece perspectivas

É comum imaginar a terapia como um ambiente em que se encontram apenas o psicólogo e seu paciente, mas existem diversas formas de tratamento psicológico que fogem a esse padrão, trazendo consigo benefícios diferenciados. Esse é o caso da terapia de grupo, atividade em que algumas pessoas compartilham experiências ou desafios semelhantes com auxílio de um psicólogo, que medeia as interações e propõe exercícios coletivos.

Entre as principais vantagens da terapia de grupo, estão o contato social, a variedade de perspectivas apresentadas por outros participantes, a maior acessibilidade comparada com como o custo das sessões individuais e as evidências científicas que comprovam a eficácia dessa intervenção, desde que o participante tenha perfil e necessidades que possam ser beneficiadas por essa terapia, fatores que devem ser analisados previamente por um psicólogo capacitado.

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Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.

15.01.2024

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