Grupo de pesquisa mostra que o medicamento, tradicionalmente usado contra hepatite C, também tem ação contra os vírus causadores de chikungunya, febre amarela e zika.
Disponível no mercado desde 2013, o sofosbuvir é um medicamento antiviral eficaz no tratamento da hepatite C. Nos últimos anos, cientistas têm apostado que ele pode ser um aliado também no combate às infecções causadas por arbovírus – vírus transmitidos aos humanos por insetos. Estudos publicados em 29 e 30 de janeiro demonstraram a ação do medicamento contra os agentes causadores da chikungunya e da febre amarela. Em 2017, o mesmo grupo já havia comprovado a ação do sofosbuvir sobre o vírus da zika, tanto in vitro quanto em modelos animais.
“Esse conjunto de trabalhos corresponde a um esforço nosso para encontrar um medicamento polivalente, capaz de tratar as diferentes arboviroses que temos hoje no Brasil”, resume o infectologista Fernando Bozza, pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que participou do estudo. Até hoje, não existem medicamentos eficazes para tratar chikungunya, febre amarela ou zika, e o atendimento dos pacientes permanece baseado apenas no alívio dos sintomas dessas doenças.
A ideia de testar o sofosbuvir contra zika e febre amarela veio do fato de que o vírus que o medicamento foi desenvolvido para combater, o da hepatite C, faz parte da mesma família que os outros dois – a dos flavivírus, que inclui também o causador da dengue. A fórmula também já havia sido testada com sucesso contra o este último.
Contra febre amarela, o medicamento mostrou-se eficaz para evitar a replicação do vírus em culturas de células e em camundongos infectados experimentalmente. O trabalho foi publicado na revista PLoS Neglected Tropical Diseases. O vírus da chikungunya, no entanto, não é um flavivírus, mas pertence a outra família – a dos alphavírus –, o que torna o estudo publicado no periódico Antimicrobial Agents and Chemotherapy (AAC) mais surpreendente. Os pesquisadores mostraram que o medicamento inibiu a replicação do vírus em culturas de células.
Embora promissor, o uso do sofosbuvir contra as arboviroses ainda não foi testado em humanos por meio de estudos clínicos – portanto, embora esta já seja uma droga aprovada pelas autoridades competentes e disponível no sistema público de saúde, seria precoce indicá-la aos pacientes com essa finalidade. “Ainda vai levar um tempo, mas será possível desenvolver ensaios clínicos para entender a melhor posologia e o regime de uso do sofosbuvir contra outras doenças além da hepatite C”, aposta o líder da pesquisa, o bioquímico Thiago Moreno, da Fiocruz.
Segundo Bozza, uma das prioridades nessa segunda etapa de investigação deve ser a febre amarela, uma doença de alta mortalidade. Caso consigam obter resultados positivos também nos estudos clínicos, os pesquisadores terão ainda outros desafios para viabilizar a disponibilização do sofosbuvir para o tratamento das arboviroses. “Uma das grandes limitações é que ele é um medicamento caro”, pondera o infectologista. Moreno complementa: “Por outro lado, nossos dados mostram que a droga pode ser muito útil para o tratamento de várias doenças tropicais”.
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