Pesquisa com participação do IDOR utilizou simulação virtual para entender tendências comportamentais de pessoas com o transtorno

Uma pesquisa contemplou as inclinações inconscientes que influenciam a tomada de decisão em pessoas com depressão. A metodologia inovadora alinhou-se a uma das principais tendências da tecnologia moderna: o estudo foi realizado através da imersão dos pacientes em uma realidade virtual (RV). Com a participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e de outras instituições internacionais, a pesquisa foi publicada no periódico científico Journal of Psychiatric Research, e seus achados revelam novas percepções acerca da complexa relação entre emoções e ações na depressão.

A depressão é um transtorno mental incapacitante, sendo considerado o “mal do século” pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e atingindo mais de 300 milhões de pessoas no planeta. Na América Latina, o Brasil lidera o número de ocorrências, atingindo quase 6% de sua população, com uma média de 11,5 milhões de casos.

Não são poucas as frentes de desenvolvimento para o tratamento da doença, que apresenta diversos obstáculos por seu caráter subjetivo e causas multifatoriais. Outro desafio é que os mecanismos mentais que sublinham um diagnóstico de depressão ainda não são amplamente compreendidos pela ciência humana.

Tendências de Ação na Depressão

Considerando que a relação entre emoções e ações é um assunto de extrema importância no entendimento da depressão. Os autores do estudo voltaram sua atenção para as chamadas “tendências de ação” em pacientes diagnosticados. Essas tendências de ação são inclinações e impulsos internos que precedem nossos atos e respostas.

Tendo sido reconhecidas por ninguém menos que Charles Darwin em seu livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, as tendências de ação são um elo comprovado entre ação e emoção. Segundo afirmava o naturalista, os seres humanos apresentam fortes e involuntárias tendências para realizar certas ações quando um estado mental específico é induzido.

Depressão testada em Realidade Virtual

No estudo, a principal hipótese dos autores foi que as pessoas com depressão apresentariam tendências de ação relacionadas à culpa desadaptativa, isto é, uma culpa que se volta ao autocriticismo, punição, isolamento social e distanciamento de si mesmo. Ela é diferente de uma culpa adaptativa, que permite o reconhecimento e aceitação de erros, melhoras no convívio social e desenvolvimento de valores.

Para testar a teoria, 98 pessoas com depressão foram recrutadas e 40 indivíduos sem problemas de saúde mental compuseram o grupo controle da pesquisa. Os pesquisadores projetaram uma abordagem pioneira usando a realidade virtual (RV), tecnologia que permitiu aos participantes vivenciar interações sociais relacionadas à culpa em ambientes virtuais que simulavam 2 tipos de situação: uma em que o indivíduo havia agido mal com alguém, e outra em que um hipotético amigo havia agido de forma indevida com o indivíduo.

Durante o teste, os participantes eram expostos a diferentes cenários e tinham que responder a perguntas sobre suas tendências de ação relacionadas à culpa. Por exemplo, em uma situação você bateu o carro do seu amigo, já em outra foi seu amigo quem bateu o seu carro, e as reações eram testadas nessas duas situações.

A escolha pela simulação em RV para avaliar tendências de ação relacionadas à culpa foi ideal devido à natureza imersiva do método. A tecnologia oferece um ambiente realista e interativo que permite que participantes se envolvam no cenário, diferente de métodos mais tradicionais, como testes computadorizados ou em papel, que podem não capturar a experiência completa das tendências de ação, já que estas dependem fortemente da capacidade dos participantes para imaginá-las e se inserirem convicentemente no contexto fictício.

A culpa impera em ambos os padrões de comportamento

Os resultados mostraram que os participantes com depressão tinham maior propensão a sentir vontade de se punir e de se isolar, independentemente de quem agia em cada situação. Essas tendências de ação eram as mesmas, não importando na simulação se eram eles ou um amigo quem tivesse agido de forma inadequada. Quando a RV era sobre uma ação negativa que eles teriam cometido, as pessoas com depressão eram menos tendenciosas a pedir desculpas. Já quando era um amigo que agia de forma danosa, os mesmos pacientes raramente reagiam atacando verbalmente a outra pessoa, escolhendo reações de isolamento e culpa.

A conclusão foi que os participantes depressivos mostram uma tendência significativamente maior para se punirem em ambas as situações, bem como uma maior tendência para se esconder ou se isolar e uma menor tendência para atacar verbalmente, em comparação com os participantes que não apresentavam transtornos mentais.

Apesar da relevância desse achado, os cientistas ainda aprofundaram as análises, investigando se havia alguma ligação entre o comportamento punitivo com a prática de automutilação ou tendências suicidas, problemas comumente associados ao diagnóstico da depressão.

Depressão e tendência à autopunição

Baseados nessa descoberta de que a punição era a tendência de ação que mais distinguia as pessoas com depressão do grupo de controle, os pesquisadores compararam esses resultados com o histórico relatado de automutilação e tentativas de suicídio de cada paciente do estudo, em um relatório que havia sido preenchido por eles antes da simulação em RV.

Após análises, os autores concluíram que havia uma relação entre as tendências de punição e o histórico de automutilação, mas essa conexão não foi encontrada com relação às tentativas de suicídio. Isso sugere que as pessoas com depressão podem ter tendência à autolesão como uma resposta desadaptativa, mas não necessariamente têm uma maior propensão a tentar suicídio, comportamento que deve implicar uma base motivacional distinta. O artigo salienta, contudo, que o comportamento suicida não foi amplamente estudado na pesquisa, e que é necessário mais aprofundamento para compreender melhor sua relação com a depressão.

O estudo inovador demonstrou o potencial de tecnologias imersivas como a RV na pesquisa psicológica. A simulação proporcionada pelo ambiente virtual se mostrou muito promissora, tanto para pesquisas como para o desenvolvimento de estratégias de prevenção relacionadas à depressão e à automutilação. Os pesquisadores destacam que a sua descoberta revela novos marcadores cognitivos que podem auxiliar na prevenção e na identificação de alvos de tratamento mais personalizados e eficazes, oferecendo esperança renovada na compreensão e no combate à depressão.

Um cenário mais moderno e tecnológico para a Psicologia

Este estudo faz parte de um crescente conjunto de evidências que identifica os benefícios da RV em aplicações da psicologia clínica. Diversas pesquisas já demonstraram efeitos positivos da utilização de RV em tratamentos de ansiedade, distúrbios alimentares, gerenciamento de dor e dependências em geral, além de também ser uma ferramenta auxiliar em diagnósticos mais complexos, como os de psicose e autismo.

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