Cientistas exploram potencial do medicamento biperideno através de análises minimamente invasivas
Um estudo publicado na revista Molecular Neurobiology explora a relação entre lesões cerebrais, epilepsia e o potencial diagnóstico de biomarcadores presentes em vesículas extracelulares. A pesquisa contou com o financiamento da FAPESP e teve a participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Traumatismo cranioencefálico no Brasil
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é um grave problema de saúde pública global, com estimativas entre 27 e 69 milhões de casos anuais em todo o mundo. As causas mais frequentes variam conforme os contextos culturais. No Brasil, cerca de 150 mil novos casos são registrados anualmente, sendo os acidentes de trânsito a principal causa, especialmente entre homens.
O TCE pode ter impactos devastadores na qualidade de vida, comprometendo atividades sociais e laborais dos pacientes. Além disso, as complicações podem evoluir para uma epilepsia pós-traumática (EPT), agravando os desafios enfrentados pelos sobreviventes devido às crises recorrentes.
A evolução para a EPT ocorre por meio de um processo complexo que se inicia com o trauma e inclui uma fase de latência, que pode durar de semanas a anos. Durante esse período, eventos moleculares e celulares, como morte neuronal, neuroinflamação e alterações na transcrição gênica, aumentam a excitabilidade das células cerebrais, favorecendo o surgimento de crises epilépticas. Esse intervalo representa uma janela de oportunidade para intervenções terapêuticas, mas um dos maiores desafios na pesquisa neurológica é a dificuldade de acessar diretamente o tecido cerebral em pacientes vivos.
Nesse contexto, os pesquisadores decidiram investigar a EPT causada por TCE utilizando vesículas extracelulares presentes no sangue. Essas pequenas estruturas, liberadas pelas células, conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e transportar microRNAs (miRNAs), moléculas reguladoras que atuam tanto no cérebro quanto em outros tecidos. No caso do TCE, os miRNAs presentes nas vesículas sanguíneas permitem identificar biomarcadores associados ao trauma e ao desenvolvimento da EPT, oferecendo novas perspectivas diagnósticas e terapêuticas com métodos menos invasivos
O estudo: miRNAs, biperideno e EPT
No estudo, amostras de sangue de 37 pacientes foram analisadas 10 dias após o trauma. Os participantes foram divididos em dois grupos: 18 receberam o medicamento sendo investigado, o biperideno, enquanto 19 receberam placebo, permitindo a comparação dos efeitos. Durante os 24 meses de observação, três pacientes tratados com biperideno desenvolveram EPT, em comparação a dois casos no grupo controle.
O biperideno é tradicionalmente usado para tratar doenças neurológicas, como o Parkinson. Ele age bloqueando a acetilcolina, um neurotransmissor que, em excesso, pode causar tremores e rigidez muscular, além de contribuir para desequilíbrios no sistema nervoso central. Neste estudo, o medicamento foi avaliado quanto a sua capacidade de interferir em mecanismos celulares relacionados ao desenvolvimento de crises epilépticas, potencial sugerido em estudos prévios com modelos animais.
Biomarcadores sugerem pistas para novas investigações
A análise das vesículas extracelulares revelou a expressão diferencial do miR-9-5p, um miRNA associado à neurogênese, neurodegeneração e respostas ao estresse. Os pacientes tratados com biperideno apresentaram uma redução significativa do miR-9-5p, sugerindo um possível efeito do medicamento nos processos relacionados à epilepsia.
O estudo foi o primeiro a investigar o uso do biperideno em pacientes com TCE. No entanto, embora o medicamento tenha alterado os biomarcadores, não houve uma redução significativa na incidência de crises epilépticas ao longo do período monitorado. Isso indica a necessidade de estudos adicionais para compreender melhor o potencial terapêutico do composto no tratamento da EPT.
Uma janela para avanços diagnósticos e terapêuticos
A identificação de biomarcadores como o miR-9-5p amplia nosso conhecimento sobre o TCE e a EPT. Além disso, a utilização de vesículas extracelulares como plataforma de investigação destaca uma abordagem promissora, permitindo acessar informações do cérebro de forma minimamente invasiva.
Esse avanço metodológico não só abre novas perspectivas diagnósticas, mas também aponta para o desenvolvimento de intervenções precoces, oferecendo esperança para pacientes com TCE e suas possíveis complicações, como a epilepsia pós-traumática.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu