Estudo com participação do IDOR revela que o vírus altera a função metabólica dos astrócitos, o que pode desencadear em processos de dano neuropsiquiátrico
A comunidade científica já está certa de que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2) pode causar danos ao cérebro humano, e que essas consequências independem do desenvolvimento de quadros graves da Covid-19, podendo perdurar mesmo após a recuperação da doença. No entanto, ainda está em debate se esses danos são causados por fatores colaterais à infecção viral ou se o vírus teria a habilidade de afetar diretamente o Sistema Nervoso Central (SNC). Um estudo brasileiro publicado nesta terça-feira, 13 de outubro, acredita que a última opção é, pelo menos em parte, a razão mais provável. A pesquisa, que ainda aguarda revisão de pares, foi realizada por um grupo de cientistas de diversas instituições de pesquisa, entre elas IDOR, USP e UNICAMP.
Para chegar a essa hipótese, o estudo realizou um percurso com diversas etapas e diferentes abordagens. O primeiro passo foi comparar imagens de ressonância magnética cerebral de 145 indivíduos saudáveis e de 81 pessoas com casos moderados de Covid-19, que não tiveram necessidade de suporte respiratório. O resultado mostrou que os participantes infectados muitas vezes manifestavam alterações na espessura cortical do cérebro, que estava reduzida no giro lingual esquerdo, no sulco calcarino – estruturas relacionadas a habilidades visuais como a noção espacial e reconhecimento de cores – e no sulco olfatório. Além disso, notou-se um aumento da espessura no sulco central e no giro occipital superior, o que pode estar associado a disfunções na barreira hematoencefálica, estrutura que protege o SNC de invasores e substâncias tóxicas.
Um grupo dos indivíduos com essas alterações foi depois avaliado separadamente, e os cientistas identificaram que 28% de seus integrantes tinham sintomas de ansiedade, 20% de depressão e outros 28% apresentaram alterações no raciocínio lógico, dados que os autores acreditam estar relacionados às anormalidades encontradas no córtex cerebral.
Mas, para aprofundar essa hipótese, os pesquisadores também realizaram autópsias pouco invasivas com retirada de material do cérebro de 26 pacientes com Covid-19. Observaram que 19% dos casos apresentavam sinais de inflamação e necrose cerebral, todos eles acompanhados de material genético do vírus Sars-Cov-2 e da proteína S viral, estrutura pela qual o vírus invade as células humanas. Em um dos materiais, havia resquícios do Sars-Cov-2 em cerca de um terço do tecido cerebral analisado, sendo a maioria dessas células infectadas astrócitos, estruturas de forma estrelada que são essenciais nas funções cognitivas, no suporte metabólico aos neurônios e na composição da barreira hematoencefálica.
A partir dessas informações, os cientistas conduziram análises químicas de alta eficiência nos tecidos post mortem e em um grupo controle, através de uma técnica chamada cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas. Esse processo revelou que os tecidos infectados possuíam mais de 100 proteínas alteradas, e confirmou que essas modificações estavam concentradas principalmente nos astrócitos.
O próximo passo seria isolar estas células e expô-las à ação do Sars-Cov-2, para observar o processo da infecção viral. Para isso, foram desenvolvidos em laboratório astrócitos humanos, submetidos a uma análise proteômica (proteica) um dia após o contato de 1 hora como o novo coronavírus. Os resultados mostraram que o vírus altera significativamente os processos metabólicos da célula, que deixa de cumprir seu papel essencial para a manutenção dos neurônios, podendo levá-los à morte.
Como conclusão, os autores defendem que o Sars-Cov-2 pode sim alcançar o SNC, através da infecção dos astrócitos, e causar danos colaterais na funcionalidade neuronal. Essas mudanças estão relacionadas às alterações cerebrais encontradas nas imagens por ressonância magnética, que podem justificar os sintomas neurológicos e neuropsiquiátricos observados em alguns pacientes com Covid-19. O estudo é também um importante alerta para tratamentos e intervenções relacionados à doença, que devem também buscar maneiras de evitar que o vírus invada o SNC e afete o funcionamento emocional e cognitivo dos pacientes.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.