Um estudo brasileiro investiga a segurança e eficácia de diferentes esquemas de quimioterapia no tratamento do câncer de mama mais agressivo 

O papel dos dados do mundo real na oncologia 

 A pesquisa médica tem progressivamente utilizado dados de mundo real para complementar os estudos clínicos randomizados tradicionais. Enquanto nestes últimos os pacientes são distribuídos aleatoriamente em diferentes grupos para avaliar a eficácia de uma terapia de forma controlada e sem influências externas, os dados do mundo real, ou real-world data, são coletados daqueles pacientes em atendimento clínico rotineiro e refletem melhor a diversidade dos pacientes na vida real. 

Na oncologia, esses dados são ainda mais importantes para implementar novas terapias em casos mais urgentes, como o câncer de mama triplo negativo, que é uma doença de rápida progressão e difícil tratamento devido à ausência dos alvos terapêuticos presentes em outras apresentações (receptores hormonais e HER2), o que torna as terapêuticas mais limitadas. 

O tratamento padrão atual nos estádios II e III é a administração de imunoterapia com pembrolizumabe em adição à quimioterapia, esta consistindo em carboplatiba e paclitaxel seguido por antraciclina e ciclofosfamida (AC). Neste tratamento, porém, existe uma dúvida sobre qual método de aplicação de AC é melhor para os pacientes, se é por meio de doses administradas a cada três semanas (q3w AC) ou em doses mais intensificadas (dose-dense, ou ddAC).  

Publicado no NPJ Breast Cancer Journal, do grupo Nature, o estudo Neo-Real, coordenado pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e pelo Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer de Mama (GBECAM), com participação de outros dez centros de oncologia brasileiros, utilizou dados do mundo real para investigar diferenças entre as duas metodologias. 

Neo-Real: investigando a melhor abordagem terapêutica 

O estudo acompanhou 333 pacientes atendidos em dez centros de tratamento oncológico no Brasil de julho de 2020 a novembro de 2023. O objetivo foi comparar a eficácia e segurança de dois esquemas de administração da quimioterapia baseada em AC em pacientes com câncer de mama triplo negativo em estágios II e III que receberam tratamento neoadjuvante (antes da cirurgia) com quimioterapia e imunoterapia. 

Os dados das pacientes foram coletados por meio de um sistema padronizado de registro eletrônico (RedCap), garantindo a qualidade e uniformidade das informações analisadas. 

Comparando os resultados das terapias 

Entre as 279 pacientes que passaram pela cirurgia de remoção do tumor, 65,4% das que receberam o esquema ddAC tiveram uma resposta patológica completa (pCR) – quando não são encontradas células malignas no espécime retirado – em comparação com 58,7% das pacientes que receberam q3w AC. Contudo, segundo os pesquisadores, essa diferença não é estatisticamente significativa para determinar qual esquema é o mais adequado. 

Nas pacientes com câncer de estágio III, o regime intensificado (ddAC) mostrou uma maior tendência à destruição total das células cancerosas (59% versus 40%), sugerindo um possível benefício dessa abordagem, que ainda precisa ser confirmado por estudos com populações mais extensas. 

Em relação à segurança dos tratamentos, os dois esquemas tiveram taxas semelhantes de interrupção da terapia devido a efeitos adversos. No entanto, as pacientes que receberam ddAC apresentaram uma tendência maior de eventos adversos graves, como neutropenia febril (redução dos glóbulos brancos acompanhada de febre), destacando a necessidade de monitoramento cuidadoso durante o tratamento.

O impacto dos dados do mundo real na luta contra o câncer 

O estudo reforça a importância do uso de dados do mundo real na investigação médica, e seus resultados se mostraram consistentes com os achados do ensaio clínico que definiu o padrão de tratamento atual, o KEYNOTE-522, reforçando a complementaridade das duas abordagens de pesquisa. 

Embora o estudo com dados do mundo real não tenha identificado diferenças estatisticamente significativas entre os esquemas de administração da quimioterapia, a tendência observada de melhores resultados para pacientes com doença em estágio III tratadas com ddAC sugere que esse regime pode ser benéfico para essa população.  

Os pesquisadores ressaltam que novas investigações ainda serão necessárias para confirmar esse efeito e refinar as diretrizes terapêuticas para o câncer de mama triplo negativo, oferecendo em cada vez mais opções seguras e eficazes para essas pacientes. 

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.