Um estudo liderado por pesquisadoras brasileiras acaba de ser publicado na revista científica The Breast. A pesquisa, que contou com a participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), Universidade de São Paulo (USP) e Hospital Osvaldo Cruz, avaliou o comportamento do câncer de mama em pacientes com uma doença hereditária, a Síndrome de Li-Fraumeni, que está associada ao alto risco de desenvolvimento de tumores.
A Síndrome de Li-Fraumeni ocorre devido a uma alteração no gene TP53, gene supressor de tumores. Reconhecido como “guardião do genoma”, o gene tem por função garantir o bom funcionamento da divisão celular e evitar que o surgimento de tumores por erros acumulados durante a divisão das células. Com essa função prejudicada, o surgimento de tumores de mama, cérebro, pulmão e adrenal, além de sarcomas e leucemias fica favorecido. Entre as pacientes com a doença, 85% desenvolvem câncer de mama até os 60 anos.
Dra. Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora do estudo, oncologista na Rede D’Or, Hospital São Luiz do Itaim e Onco Star e pesquisadora do IDOR esclarece sobre parâmetros usados para detectar a Síndrome Li-Fraumeni na paciente com câncer de mama. “Utilizamos dois conjuntos de critérios para indicar o teste genético, o diagnóstico da síndrome de Li-Fraumeni só pode ser confirmado pelo teste genético.
1. Critérios clássicos
– combinação de diagnóstico individual de sarcoma <45 anos de idade e – parente de primeiro grau com diagnóstico de câncer > 45 anos e
– um parente de primeiro ou segundo grau com câncer diagnosticado <45 anos, ou sarcoma em qualquer idade
2. Critérios de Chompret para indicar o teste genético
– indivíduo com múltiplos tumores (exceto mama), dois dos quais pertençam ao espectro da SLF com o primeiro deles ocorrendo antes dos 46 anos de idade ou
– indivíduo com carcinoma adrenocortical ou carcinoma de plexo coróide ou rabdomiossarcoma embrionário anaplásico em qualquer idade independente da história familiar ou
– câncer de mama antes dos 31 anos de idade.”
Além do maior risco de desenvolver diferentes tipos de câncer, a síndrome também requer diferentes abordagens terapêuticas, tendo em vista que estudos já demonstraram que a utilização de radioterapia nesse grupo pode determinar o surgimento de novos tumores (neoplasias secundárias). Por isso, o reconhecimento da condição deve preceder a escolha de terapias.
Considerando a necessidade de maior conhecimento sobre a doença, foram analisadas as evoluções de 41 pacientes com a Síndrome de Li-Fraumeni e com câncer de mama, comparando com 82 mulheres no grupo controle, igualmente portadoras de câncer de mama, mas sem a condição hereditária. As pacientes portadoras da Síndrome foram acompanhadas pelo Grupo de Tumores Hereditários do ICESP, no período de 1999 a 2022.
As pesquisadoras observaram que 78% das pacientes com a síndrome apresentaram tumores receptores de estrogênio positivo, 65,8% receptores de progesterona positivo e 39% hiperexpressavam o receptor HER2 em sua superfície (do inglês, Human Epidermal Growth Factor Receptor 2), elementos utilizados para caracterizar o tipo de câncer de mama de cada paciente. No grupo controle, esta frequência foi de 76%, 65,8 e 26,8%, respectivamente.
A proporção de pacientes que receberam tratamento neoadjuvante (administrado antes da cirurgia) foi similar nos dois grupos de pacientes, sendo que 33,3% das pacientes portadoras da Síndrome alcançaram resposta patológica completa ao tratamento, comprovada após a cirurgia, o que foi observado em 36,7% das pacientes no grupo controle.
Todas as pacientes HER2 positivas receberam terapia específica com trastuzumabe, antes e/ou após a cirurgia. Após um seguimento médio de 51 meses do grupo de pacientes com a Síndrome e de 41 meses no grupo controle, constata-se a recorrência da doença em 14,6% das pacientes portadoras da Síndrome, o que se observou em apenas 6,1% entre as pacientes do grupo controle, diferença esta não significante do ponto de vista estatístico.
Análises exploratórias dos dados não revelaram qualquer impacto da radioterapia na sobrevida livre de recorrência. As autoras concluem que, apesar do reconhecido risco aumentado para desenvolverem uma segunda neoplasia, não se observou diferença na sobrevida livre de progressão da doença nos dois grupos de pacientes.
Escrito por Manuelly Gomes
Supervisão: Maria Eduarda Ledo de Abreu