Estudo investigou a alteração de proteínas em diferentes tecidos infectados por SARS-CoV-2, vírus que ainda causa milhares de mortes no país
Apesar do fim pandemia aparentar um alívio para a saúde pública mundial, a covid-19 segue se apresentando como um problema grave para a população. No Brasil, ela levou a óbito cerca de 6 mil pessoas em 2024, e as novas campanhas de vacinação devem ser implementadas com atenção.
Considerando que a doença afeta diferentes órgãos do corpo e reconhecendo que muito se desconhece sobre os mecanismos de ação do vírus SARS-CoV-2, um estudo brasileiro publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, buscou desvendar a ação do novo coronavírus em diversos tecidos humanos, mapeando as alterações advindas da infecção e criando um atlas digital e aberto que detalha as proteínas afetadas pela doença em 9 tipos celulares distintos. O estudo envolveu pesquisadores da Unicamp, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e diversas outras instituições nacionais.
Embora a covid-19 se manifeste principalmente como infecção pulmonar e cause a temida tempestade de citocinas (inflamação generalizada) em casos graves, desde a pandemia mais e mais estudos comprovam a presença do SARS-CoV-2 em outros tecidos e fluidos corporais, como tecido muscular cardíaco, sistema nervoso central (SNC), rins, sistema gastrointestinal e tecido adiposo.
Considerando esse agravante, o estudo analisou dados proteômicos de 9 tipos celulares infectados por SARS-CoV-2: astrócitos e neurônios; células SH-SY5Y (células cancerosas do SNC) e do epitélio intestinal; linfócitos T e monócitos, do sistema imunológico; hepatócitos, do fígado; e adipócitos (gordura) de tecidos visceral e subcutâneo. As células foram infectadas in vitro, e a maioria das linhagens celulares usadas foram de origem humana, desenvolvidas em laboratório a partir de células-tronco.
A partir das análises proteômicas das células infectadas, um total de 3.098 proteínas foram quantificadas, das quais 1.652 tiveram sua regulação alterada a partir da infecção.
Nas 3 células do SNC estudadas, a infecção por SARS-CoV-2 resultou em 810 proteínas alteradas, 9 das quais estavam presentes em todos os tipos celulares analisados, estando principalmente associadas à maquinaria de tradução (produção de proteínas) e ao metabolismo energético, dois pilares fundamentais para o funcionamento das células neurais.
O proteoma analisado nas outras linhagens demonstrou diversas alterações: 332 proteínas modificadas nas células epiteliais intestinais e 343 nas células do fígado. O mesmo foi observado no proteoma de adipócitos viscerais e subcutâneos, que revelaram 242 proteínas (viscerais) e 175 proteínas (subcutâneas) desreguladas após a infecção pelo SARS-CoV-2.
Nas células do sistema imunológico, os números foram de 139 proteínas desreguladas nos linfócitos T e 463 proteínas desreguladas nos monócitos, sendo 35 dessas proteínas encontradas em ambos os tipos celulares.
A partir dessas descobertas, os pesquisadores criaram um mapa das alterações observadas em cada tipo de célula, incluindo todas as proteínas de expressão alterada em resposta à infecção. Esse banco de dados proteômico foi chamado de “Atlas do Infectoma do SARS-CoV-2”, o primeiro de seu gênero, que além de aberto e gratuito, é uma plataforma que será atualizada na medida em que novos estudos sobre o tema forem publicados.
Nesse atlas, proteínas individuais podem ser pesquisadas, fornecendo informações sobre diferenças na expressão normalizada. Isso permite a busca direcionada de proteínas e vias de interesse no contexto do SARS-CoV-2, algo que pode ser muito útil para pesquisadores do mundo inteiro durante o processo de atualização de vacinas ou criação de medicamentos para a doença, por exemplo.
As informações fornecidas pelo estudo oferecem uma nova visão de como o vírus SARS-CoV-2 modifica os processos bioquímicos nas células. Isso abre caminho para o desenvolvimento de novos alvos terapêuticos integrados, que podem ser úteis para tratar a covid-19 de forma sistêmica ou direcionada a tecidos específicos.
Além disso, com a criação do infectoma online, uma nova ferramenta para pesquisar proteínas de interesse estará disponível para consulta de outros cientistas, possibilitando novas e mais precisas pesquisas com enfoque no SARS-CoV-2.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.