O ano era 1992, 18 anos antes da criação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), quando uma pequena clínica em Botafogo começou a realizar exames neuropsicológicos voltados para problemas de aprendizagem em crianças. Entre os diferenciais da clínica destacava-se o fato de ser o primeiro serviço no país em que cada caso era discutido por uma equipe multiprofissional de médicos, psicólogos e fonoaudiólogos. Criava-se, neste momento, o Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA).
Atuante até os dias atuais e parte integral do IDOR desde o início da instituição, em 2010, a clínica é um núcleo pioneiro com contribuições internacionais relevantes no campo dos transtornos de aprendizagem e outros problemas que afetam as funções cognitivas, não apenas em crianças, como em adultos e idosos.
Quando o CNA surgiu no início década de 1990, os diagnósticos de problemas de aprendizagem, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e até mesmo de autismo eram muito incomuns e distantes do vocabulário popular. O mau desempenho escolar era comumente atribuído a problemas disciplinares e psicológicos, e crianças e adolescentes com dificuldades na escola eram encaminhadas diretamente à psicoterapia, sem a devida investigação de possíveis problemas primários de aprendizagem, como a dislexia, por exemplo, que é um transtorno neurobiológico que afeta o desempenho na leitura e na escrita.
“É claro que a criança não vai se interessar pelo estudo, ou então terá grandes chances de viver com baixa autoestima devido à frustração. Todo mundo entendeu o enunciado da prova e ela não entendeu, porque tem dislexia, e tira nota baixa mesmo tendo estudado. Antes de considerar que isso é um problema psicológico e encaminhar a criança para a terapia, é preciso ter certeza que ela não tem o que chamamos de transtorno de aprendizagem, como a dislexia, a discalculia e até mesmo o TDAH – que não é um transtorno do aprendizagem, mas frequentemente causa problemas escolares pela dificuldade de concentração”, comenta o Dr. Paulo Mattos, psiquiatra, pesquisador do IDOR e fundador e diretor clínico do CNA.
O Dr. Paulo Mattos teve a ideia de reunir uma equipe multidisciplinar para diagnosticar dificuldades cognitivas após ter contato com o exame neuropsicológico durante o seu mestrado, quando seus estudos avaliavam as funções cognitivas de pessoas com HIV e Aids em um tempo em que não havia as terapias antirretrovirais atuais. Os pacientes à época traziam muitas queixas acerca da concentração e da memória, e havia poucos recursos para avaliar e mensurar esses relatos.
“Muitas queixas na minha área são imateriais, ou seja, elas não são objetivas, claras ou bem definidas. Febre, emagrecimento, queda de cabelo, são sintomas materiais que você pode mensurar e quantificar, mas avaliar um ‘Eu sou muito esquecido’ é mais difícil. É esquecido em ralação ao quê? Aos outros? Em relação ao que era antes? Também pode ser uma pessoa muito ansiosa que julga estar esquecida. É preciso pegar essas queixas e quantificar de um modo objetivo, torná-las materiais”, explica o psiquiatra, ressaltando a relevância clínica dos exames e questionários aplicados aos pacientes.
Mais tarde, durante o seu doutorado, Mattos empregou avaliações neuropsicológicas a outra população, desta vez de pessoas idosas com queixas de memória. Os desafios eram ainda maiores, pois era necessário distinguir se o esquecimento era próprio da idade ou se tratava de um processo patológico, como demências e outras doenças neurodegenerativas, a exemplo da Doença de Alzheimer. O contato com esse novo desafio fez com que o CNA também incorporasse o exame e diagnóstico de adultos e idosos com problemas de memória, criando assim o setor que atende pelo nome de Memory Clinic, seguindo o mesmo padrão de avaliação multiprofissional aplicada aos outros atendimentos, além da realização de exames adicionais, como de neuroimagem.
O diagnóstico precoce é um fator relevante em diversos casos de queixas cognitivas, seja em jovens ou idosos. Em crianças em idade pré-escolar (menores de 7 anos), é possível fazer o mapeamento de como está o desenvolvimento cognitivo. Nessa faixa etária, apesar da dificuldade em se fixar um diagnóstico, já é possível dizer se a atenção, discriminação de cores e formas geométricas, a capacidade inicial de cálculo e o desenvolvimento motor estão evoluindo de acordo com o esperado para a idade, sinalizando aos responsáveis pela criança as áreas que precisam ser mais estimuladas.
No caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA), identificar cedo o problema pode ser de grande benefício para a criança. “Na maioria das crianças, após os 6 meses de vida pode haver um ou outro sintoma, mas sintomas isolados de autismo ocorrem na população em geral. O que os profissionais chamam de autismo é uma combinação de vários sintomas ao mesmo tempo. E isso só fica mais claro por volta dos 2 aos 3 anos. No CNA, a partir dos 4 anos já é possível fazer uma avaliação e, caso confirmada a hipótese, indicar um tratamento precoce. Pois quanto mais cedo você interfere, melhor é a adaptação e o resultado para a criança”, explica o diretor-clínico.
Em idosos, descobrir precocemente um processo degenerativo pode ter um grande impacto na qualidade de vida do paciente, e também da família, porque os medicamentos e terapias atualmente disponíveis no mercado só mostram efeitos relevantes nos estágios iniciais da doença. Para essa população, mais sujeita a doenças degenerativas, alguns marcadores biológicos podem ser identificados, complementando os testes neuropsicológicos. O CNA / Memory Clinic disponibiliza para pacientes com mais de 55 anos dois outros exames necessários para esse diagnóstico, que são o de neuroimagem e o exame de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR).
Recentemente, o IDOR adquiriu a tecnologia mais recente e ultrassensível para a avaliação de marcadores sanguíneos, o SiMoA, que deve permitir futuramente a substituição do exame de LCR pelo exame de sangue, o que será mais prático e menos invasivo para os pacientes. O aparelho é um dos únicos do país, e o IDOR faz parte do esforço internacional para validar a equivalência entre os marcadores encontrados no sangue e aqueles do exame de LCR, criando um banco de dados fidedigno para estabelecer os intervalos de normalidade entre os marcadores da Doença de Alzheimer, entre outras patologias.
O Dr. Paulo Mattos ressalta ainda que todos os diagnósticos que são realizados na infância e adolescência também podem ser feitos no CNA por pacientes adultos e idosos. “Temos inclusive uma linha de pesquisa de TDAH em idosos. Antigamente achava-se que era algo restrito à infância, mas há alguns anos descobriu-se que podia persistir em adultos e até em idosos. Como o TDAH gera dificuldades de memória, é mais um fator para avaliar no idosos com queixas: será que o problema de memória é da idade, de alguma patologia, ou será que é algo que já vinha do TDAH? É ainda mais desafiadora essa distinção”, compartilha o psiquiatra.
Nos últimos anos, observou-se no mundo todo um grande aumento no número de diagnósticos de autismo e de TDAH. Nos Estados Unidos, o número de jovens diagnosticados com TDAH cresceu em 50% na última década, enquanto a identificação de autismo no país passou de 1 a cada 150 crianças, nos anos 2000, para 1 a cada 36 crianças atualmente. A maior conscientização sobre estas condições pode estar atrelada ao aumento de diagnósticos, entretanto, é possível haver um exagero nestes números, resultante de avaliações inadequadas e realizadas com pouca metodologia. A definição clínica considera um apanhado de fatores, e é comum que muitas pessoas apresentem alguns sintomas de autismo ou TDAH sem que se caracterize o diagnóstico. A prescrição de medicamentos desnecessários e com potencial para dependência é o fator mais preocupante em diagnósticos indevidos, e isso sublinha a importância de um exame confiável e pautado em metodologias detalhistas e atualizadas.
Quando o paciente chega ao CNA / Memory Clinic, ele é inicialmente atendido por um médico, que levanta algumas hipóteses diagnósticas com base nas queixas apresentadas. A partir disto, são selecionados e aplicados testes específicos para a condição sugerida, com psicólogos e fonoaudiólogos, de acordo com cada caso. No final desses exames – que podem durar até 8 horas –, reúne-se a equipe com todos os profissionais que participaram da avaliação e cada caso é discutido até o consenso diagnóstico.
Além dos testes, a coleta de relatos também é uma fonte importante para a avaliação. Questionários específicos são aplicados a todos os pacientes a partir dos 4 anos de idade, e outros questionários sobre o paciente são aplicados a pessoas do seu convívio, como os filhos e cônjuge no caso de adultos e idosos, e pais e professores no caso de crianças e adolescentes.
“Outra coisa muito desafiadora é conciliar os relatos. No relato parental, uma mãe jovem com um ou dois filhos não tem uma experiência muito grande em saber como uma criança daquela idade deveria estar se comportando, diferente de um professor ou professora que atua há mais de 20 anos. Esses profissionais têm uma ideia muito mais precisa de que há algo ‘diferente’ do esperado para aquela faixa etária. Mas o contexto da sala de aula é completamente diferente do contexto doméstico, então algumas coisas que a professora vê, a mãe pode não ver e vice-versa, por isso coletamos informação de dois ambientes diferentes e do próprio paciente”, detalha Mattos.
A seleção dos testes é rigorosa do ponto de vista metodológico e de acordo com as atualizações da literatura científica, mas o Dr. Paulo Mattos ressalta que a precisão do diagnóstico e o resultado dos tratamentos são méritos da discussão realizada por sua equipe capacitada. “Eu posso aplicar um teste de atenção e o resultado vir abaixo do esperado, mas isso não significa que a pessoa é portadora de TDAH. A pessoa pode ter desatenção porque está deprimida, porque é usuária de drogas ou porque teve traumatismo cranioencefálico, então o teste por si só não diz nada. É preciso que alguém com experiência interprete os resultados. Como aplicamos cerca de vinte, trinta testes diferentes para cada paciente, é uma análise muito complexa”, destaca.
Desde que o CNA foi convidado a fazer parte do IDOR, em 2010, os membros da equipe multiprofissional têm participado dos projetos de pesquisa do Instituto, o que promove no grupo um nível de atualização científica maior do que o geralmente observado em clínicas de atendimento. “Quando a Fernanda [Tovar-Moll, cofundadora e presidente do IDOR] nos convidou para fazer parte do IDOR, a questão de incorporar a pesquisa ao atendimento foi um grande diferencial. Desde então todos os nossos profissionais, além de avaliar pacientes, também estão envolvidos em alguma área de pesquisa”, conclui o pesquisador.
Em caso de queixas ou suspeita de problemas de aprendizagem, cognitivos ou de memória, pacientes ou seus familiares podem agendar avaliações pelo CNA no número 21-2295-3796 / 21-2295-0806 / 21-99309-1243. A Clínica está localizada em Botafogo, na Capital do Rio de Janeiro.
Para entender melhor os horários, procedimentos e indicações do atendimento, confira antes o site www.neuropsicologia.net .
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.