IDOR produz, pela primeira vez no Brasil, minicérebros humanos com olhos primitivos.
Desde 2016, cientistas do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criam em laboratório organoides cerebrais ou minicérebros humanos, estruturas tridimensionais geradas a partir de células reprogramadas extraídas da urina de voluntários e que funcionam como modelo do desenvolvimento do cérebro. Ao longo desse período, os pesquisadores têm procurado aperfeiçoar a forma de produzir os organoides, criando estruturas cada vez mais complexas. Recentemente, conseguiram dar mais um passo: gerar minicérebros com novas estruturas cerebrais, incluindo células da retina. No cérebro humano, essas células são responsáveis por receber estímulos luminosos e, a partir deles, transmitir impulsos elétricos às células nervosas envolvidas no processamento da visão. O trabalho foi aceito para publicação na revista BMC Developmental Biology.
Os minicérebros são produzidos por meio da tecnologia da reprogramação celular, em que células retiradas da pele ou da urina de um voluntário são induzidas, em laboratório, a voltarem ao estágio de células-tronco embrionárias, com potencial de dar origem a qualquer tecido do corpo humano. Em seguida, essas células são transformadas em neurônios e outros tipos celulares do sistema nervoso. O pulo do gato para a formação dos minicérebros é cultivar as células nervosas em um líquido com nutrientes semelhantes àqueles encontrados no ambiente de desenvolvimento do embrião humano. Depois de cerca de um mês e meio, já é possível observar que as células se aglomeram em uma estrutura tridimensional que, ainda que de maneira rudimentar, pode ser comparada aos primeiros estágios de desenvolvimento do cérebro.
A partir daí, os minicérebros se desenvolvem em um processo autorregulado. Em outras palavras, tudo que se precisa fazer é garantir que eles tenham o ambiente adequado para se desenvolver. Com o tempo, começam a surgir áreas equivalentes às regiões em formação do cérebro humano – num estágio muito inicial. A equipe do Rio de Janeiro conseguiu sofisticar o ambiente onde as células são mantidas, se aproximando mais ainda do que acontece no desenvolvimento intrauterino. Assim se formaram, por exemplo, o epitélio pigmentar e as células da retina, capazes de reagir a estímulos luminosos.
“Esses organoides são uma demonstração de que é possível repetir, em laboratório, gradientes cada vez mais avançados do desenvolvimento cerebral humano”, comemora o neurocientista Stevens Rehen, pesquisador do IDOR e da UFRJ que liderou o trabalho. “Utilizamos esses avatares biológicos para entender doenças humanas e testar, sem risco para pessoas, efeitos de substâncias com potencial terapêutico”.
Mas, afinal, os minicérebros enxergam?
“Bem, isso depende do que consideramos enxergar”, explica Lívia Goto, pós-doutoranda do IDOR. “O que eles podem fazer é reagir à luz, emitindo impulsos elétricos, de maneira equivalente a um olho rudimentar – como aqueles encontrados em organismos unicelulares fotossensíveis, por exemplo”. Porém, se considerarmos “enxergar” um processo mais complexo, que envolve processar os estímulos luminosos e recrutar certas áreas do cérebro para responder a eles, isso não é possível observar nos organoides. Nesses modelos, as regiões cerebrais não são definidas e organizadas como no cérebro humano.
O primeiro grupo que conseguiu desenvolver estruturas semelhantes à retina em laboratório foi a equipe de Yoshiki Sasai, do Centro RIKEN de Biologia do Desenvolvimento, no Japão, em 2011. Mais tarde, no Instituto de Células-Tronco de Harvard, nos Estados Unidos, o grupo liderado por Paola Arlotta demonstrou experimentalmente que essas estruturas, quando associadas aos minicérebros, são capazes de responder à luz. O grupo de Rehen é pioneiro, na América Latina, no desenvolvimento dessa tecnologia.
O IDOR produz organoides cerebrais para estudo de doenças neurológicas e dos efeitos de novos medicamentos sobre o sistema nervoso. Em 2016, a equipe foi responsável por esclarecer a relação entre zika e microcefalia. O grupo pesquisa, ainda, transtornos neuropsiquiátricos, como a síndrome de Dravet (um tipo de epilepsia), e a ação de substâncias psicodélicas sobre o cérebro.
Além do IDOR, várias outras instituições brasileiras estão envolvidas no esforço para aperfeiçoar os modelos de organoides cerebrais, incluindo o Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, o Departamento de Engenharia Mecânica da Coppe/ UFRJ, o Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Estadual de Campinas e a Unidade de Proteômica do Instituto de Química da UFRJ.