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Aumentam os casos de Doenças Inflamatórias Intestinais no Brasil

Aumentam os casos de Doenças Inflamatórias Intestinais no Brasil

Marcadores pouco invasivos, novos tratamentos e reconhecimento das características demográficas da doença são as principais apostas da pesquisa em Gastroenterologia do IDOR

As Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) são doenças autoimunes caracterizadas por inflamações crônicas no trato gastrointestinal. Os principais sintomas são dores abdominais, cólicas, diarreia, sangramento pelo ânus, urgência para evacuar e fadiga. A doença pode acometer pessoas de qualquer sexo ou idade, mas não é incomum que se desenvolva antes dos 30 anos.

No IDOR, as DII motivam diversas pesquisas da área de Gastroenterologia, sejam elas sobre marcadores da doença, testagem de novos medicamentos ou características de sua distribuição epidemiológica. No momento, ainda não há conclusões sobre a origem das DII, mas evidências sugerem que predisposições genéticas podem desencadear reações imunológicas nocivas à flora intestinal dos pacientes, também conhecida como a microbiota intestinal.

Em busca de marcadores da DII no sangue

A investigação das DII é o principal foco de pesquisa do Dr. Heitor Siffert de Souza, cientista do IDOR e docente do Programa de Doutorado do Instituto, além de pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em uma de suas linhas investigativas, ele tem como objetivo encontrar biomarcadores menos invasivos para a DII e para o câncer colorretal, isto é, identificar essas doenças através de exames simples e não-invasivos. Segundo o pesquisador, os procedimentos tradicionais para o diagnóstico da DII – a endoscopia e a colonoscopia – geralmente requerem sedação dos pacientes. Além de desconfortáveis, esses exames são menos acessíveis por seu custo e complexidade, o que pode dificultar um diagnóstico precoce da doença em populações mais pobres.

Nessa linha de pesquisa, que desenvolve pelo IDOR em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a UFRJ, o Dr. Siffert de Souza realiza coletas de sangue de pacientes diagnosticados com DII com a intenção de identificar alterações sanguíneas que caracterizem a doença. A pesquisa, que está no fim o processo de coleta, conta com amostras de mais de 500 pacientes com DII que o médico atende no hospital universitário da UFRJ. Ele comenta que muitos de seus pacientes só buscam atendimento quando a doença está agravada, e identificar o problema de forma precoce através de exames de rotina poderia ser de grande relevância para toda a população, principalmente a grande parcela que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).

Em busca de marcadores demográficos da DII

Além de buscar preditores da DII através de pequenos marcadores no sangue, Dr. Heitor Siffert de Souza também investiga a doença através de grandes bancos de dados, fornecidos principalmente pelo Data SUS e pelo IBGE, em um recorte que considera os casos registrados no Brasil nos últimos 12 anos. Nessa linha, seu interesse é identificar padrões demográficos que ajudem a entender as principais populações afetadas pela doença.

O médico informa que há um aumento de casos das DII em todo o ocidente, principalmente nos grandes centros urbanos, mas seu foco é estudar o Brasil e a distribuição irregular dos diagnósticos no país. “O mapeamento mostra que os casos de DII estão chegando no interior do país, não estão só nas grandes cidades, o que mostra que a doença não tem relação apenas com a poluição ou industrialização desses lugares. Temos menos casos na Amazônia do que no Sudeste e no Sul do país, mas o Sul não é altamente povoado, o que revela também que não é necessária uma grande densidade populacional para o problema ser incidente. O Espírito Santo tem mais casos que o Rio de Janeiro, que possui uma população bem maior. É interessante estudar essas diferenças geográficas e sociais no próprio Brasil”, compartilha o pesquisador, que acredita que esses dados podem ser interessantes para o desenvolvimento de intervenções de saúde personalizadas para diferentes grupos populacionais.

Atendimento padronizado facilita diagnóstico e tratamento precoces na DII

A DII não é apenas tema de pesquisas no IDOR como é também foco assistencial para muitos de seus pesquisadores, que atuam como médicos na Rede D’Or. Dentre eles, está o Dr. Antônio Carlos Moraes, pesquisador do Instituto e chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro. Moraes é o idealizador de um projeto ambicioso para a padronização do atendimento nos hospitais da Rede, o Gastro D’Or, que tem como um dos seus principais objetivos a identificação precoce e o tratamento de doenças gastrointestinais.

O gastroenterologista, que também é membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia, informa que uma das linhas de cuidado do Gastro D’Or é inteiramente dedicada às DII, “O tempo médio para o diagnóstico da DII é longo, cerca de três anos e meio, e nesse tempo o paciente costuma ter cinco passagens pela emergência. Nosso objetivo é diminuir esses números”, esclarece.

O pesquisador detalha que o Gastro D’Or possui representantes na maioria dos hospitais da Rede D’Or e que o protocolo de atendimento é padronizado desde a primeira consulta do paciente, onde são feitas perguntas que buscam identificar a possibilidade de desenvolvimento da DII. Essa padronização também ocorre através do treinamento das equipes de emergência para reconhecimento de características que podem ser sinais da doença, e todos esses sintomas são avaliados e encaminhados a um especialista, facilitando o diagnóstico precoce.

 

 

Os exames não ficam de fora do protocolo: todos os procedimentos de diagnóstico, como a endoscopia, a radiologia e a análise patológica seguem o mesmo modelo em todos os hospitais. Médicos de diferentes estados são instruídos a alinhar a linguagem em seus laudos, direcionamento que é válido não apenas para os gastroenterologistas, como para radiologistas e hepatologistas. “Não tem como olhar retrospectivamente um doente se o colega do Maranhão lauda de determinada maneira e o colega de São Paulo de outra. As palavras e classificações devem ser as mesmas em todos os hospitais para que tenhamos padronização de laudo”, defende Moraes.

Tendo implementado o Gastro D’Or em abril de 2021, o pesquisador segue como líder nacional da iniciativa até os dias atuais, mostrando-se orgulhoso dos resultados de sua equipe. “O Gastro D’Or já está bem maduro e estabelecido na Rede D’Or. Já somamos mais de 500 mil consultas, 146 mil exames e quase 4 mil cirurgias. Temos ainda reuniões mensais, onde discutimos quadros clínicos com equipes multidisciplinares”, adiciona, revelando que o projeto prevê expansão para mais hospitais da Rede D’Or nos próximos anos.

A qualidade e a uniformização dos procedimentos beneficiam os pacientes não apenas em diagnósticos precoces, como também no desenvolvimento de novas terapias para a DII, que ocorre através de pesquisas que o IDOR realizada em parceria com a indústria farmacêutica. Outros estudos sobre DII também podem ser demandados pelos membros da Gastro D’Or ou por alunos de mestrado e doutorado do Instituto. “Um exemplo é o estudo Fada do Dente, um projeto de pesquisa em que visamos analisar os dentes de leite de pessoas com DII. Os dentes de leite guardados por mães ou pelos próprios pacientes podem ser avaliados mineralmente, e queremos verificar se em determinadas populações é possível identificar o perfil inflamatório já na infância. O Comitê de Ética em Pesquisa do IDOR valida a captação de pacientes na Rede D’Or para estudos como esse”, complementa o pesquisador.

Compreendendo o impacto das DII

De acordo com a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), as DII afetam mais de 5 milhões de pessoas no mundo. No Brasil os casos estão em ascensão, atingindo 100 a cada 100 mil habitantes, com maiores concentrações no Sul e no Sudeste do país.

As DII mais comuns são a doença de Crohn, onde ocorrem inflamações em todo o revestimento intestinal da boca ao ânus, e a colite ulcerativa, identificada por inflamações e úlceras no reto e intestino grosso. As DII não deve ser confundida com a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que é um distúrbio gastrointestinal funcional de sintomas semelhantes, como dores intestinais, diarreia e constipação, mas que não prejudica as paredes do intestino e não evolui para quadros clínicos mais graves.

Diferente do que ocorre com a SII, os pacientes com DII podem se deparar com complicações graves e até necessidades cirúrgicas. Segundo a Organização Brasileira da Doença Crohn e Colite, eles também possuem risco aumentado para o desenvolvimento de câncer colorretal de acordo com o tempo de convívio com a doença, sendo esse risco de 2% após 10 anos do diagnóstico e de até 20% após 3 décadas com a DII. Esse risco serve para alertar os pacientes sobre a importância de uma monitoração regular, que pode impedir o desenvolvimento da doença ou favorecer intervenções precoces e mais efetivas em caso de um diagnóstico de câncer.

Como é uma doença crônica, a DII não possui cura, mas conta com tratamentos que controlam os sintomas e o desenvolvimento de complicações, permitindo uma vida normal para a maioria de seus portadores.

O papel da microbiota na DII

Enquanto o atendimento aos pacientes com DII se mostra bem estruturado, a compreensão sobre o aumento progressivo dos casos da doença ainda parece distante. Para o Dr. Heitor Siffert de Souza, isso pode ser um indicativo de que não existe uma única causa para o problema, que pode estar resultando de mudanças multifatoriais no ambiente e no estilo de vida das pessoas.

Embora o cientista valorize e invista na busca por marcadores específicos para a doença, ele salienta que os seres humanos não podem ser entendidos como desconectados do ambiente em que vivem. “As DII são doenças complexas, não têm causa única. Podem ser respostas a agentes ambientais, como alimentação, estilo de vida, poluição etc. E nesse mundo de agentes externos, incluímos também a microbiota, que ocupa a importância de um órgão humano, com funções essenciais na digestão, produção de nutrientes e controle de bactérias patogênicas. Não vivemos sem ela”, comenta o pesquisador.

Siffert acredita na hipótese científica de que a microbiota reflete muito do ambiente em que vivemos, e é também alterada por esse meio. Excesso de antibióticos, solo contaminado, poluição nas águas, alimentos alterados por hormônios e pesticidas podem estar causando mudanças nesse microecossistema. “A gente queria que acabasse como essa história? Dizer que temos que nos exercitar, evitar açúcar, bebidas alcóolicas e tabagismo é o óbvio, mas não é o suficiente. Temos que fazer a pergunta certa: Por que estamos sedentários? Por que não temos uma alimentação balanceada? A poluição, o estresse, são todos fatores de um conjunto. O intestino é um órgão interessante porque ele é um grande reflexo do ambiente”, explica o pesquisador, que entende a microbiota como um reflexo importante das condições de vida da população, e considera que a contenção de casos da DII pode estar além do atendimento médico, necessitando de intervenções de políticas públicas.

Em uma terceira linha de pesquisa, Siffert está desenvolvendo ainda estudos em parceria com a área de Pediatria do IDOR, onde seu objetivo é investigar o desenvolvimento da microbiota humana a partir da fase fetal. “Os fetos têm intestino atrófico, não desenvolvem inflamação. Na medida em que esse intestino é exposto ao meio ambiente, ele é povoado por bactérias e começa a crescer, aumentando seu potencial regenerativo, mas aumentando também o exército de células inflamatórias que vão conviver ali com trilhões de bactérias, fungos e até mesmo vírus na microbiota. Aliás, o maior exército de células imunitárias do corpo fica no intestino, não é nos linfonodos, nem na medula óssea, e acredito que a imunologia está muito ligada à microbiota. Tanto que os tratamentos para a DII têm como base a imunossupressão, e essas doenças também estão comumente caracterizadas por uma disbiose, um desequilíbrio na microbiota que provoca reações inflamatórias frequentes”, aposta o pesquisador.

A investigação de problemas emergentes de saúde pública é uma grande marca da pesquisa no IDOR, que busca fomentar o avanço científico aliado ao aumento da qualidade de vida para a população. Incluindo frentes que englobam pesquisas clínicas, laboratoriais e análises demográficas, os estudos em andamento na área de Gastroenterologia do IDOR prometem fornecer informações relevantes para o entendimento das DII, contribuindo tanto para o corpo científico internacional como para o embasamento de intervenções específicas, que possam ser endereçadas a cenários epidemiológicos heterogêneos, como o que encontramos no Brasil.

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.

10.01.2024

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