Estudo com participação do IDOR utilizou intervenção escolar acessível e de rápida aplicação durante o ano letivo de crianças do estado do Rio de Janeiro
O desenvolvimento socioemocional é uma habilidade versátil que pode, e deve, ser estimulada desde a primeira infância, tendo em vista que é um conhecimento facilitador do aprendizado e das relações profissionais e pessoais. Na grade curricular brasileira e da América Latina, contudo, esse tema é incipiente e ainda pouco aplicado em escolas e centros de educação infantil, fato que é somado à dificuldade encontrada pelo ensino público de países de média e baixa renda, que sofre ainda com escassez de recursos para implementações estruturais mais complexas.
Levando isso em consideração, um estudo brasileiro avaliou os impactos da aplicação de estratégias de aprendizagem socioemocional rápidas e acessíveis, chamadas de SEL Kernels, em crianças do estado do Rio de Janeiro durante um ano letivo. A pesquisa foi recentemente publicada no periódico Early Education and Development, e foi realizada pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), em colaboração com pesquisadores da Harvard Graduate School of Education, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Quando falamos em inteligência, é comum que pensemos em volume de conhecimento, em nível de escolaridade ou habilidades de cunho intelectual. O que não consideramos, e que muitas vezes passa sem a devida atenção desde a infância até a idade adulta, é a importância e desenvolvimento da inteligência emocional e social. Entender as relações sociais, ser capaz de regular as emoções e lidar com desafios são habilidades que impactam em todos os outros aspectos da vida, seja na escola, na família, no trabalho ou na relação consigo, e é importante que esses aspectos sejam estimulados desde os primeiros anos.
Atualmente, muitos educadores, pais e cientistas vêm colaborando para estabelecer na educação infantil a chamada aprendizagem socioemocial (SEL, do inglês Socio-emotional Learning), uma metodologia pedagógica baseada em evidências, que estimula pessoas a entender e gerenciar emoções, estabelecer e alcançar objetivos, sentir e demonstrar empatia, além de manter relacionamentos positivos, associados à tomada de decisões conscientes. Embora tenha sido idealizado para a pedagogia infantil, hoje já é aplicada a diferentes públicos, incluindo adultos. A aderência a esse aprendizado em escolas da América Latina, contudo, ainda é incipiente e o número de estudos envolvendo a aplicação de SEL no continente está aos poucos ganhando volume.
“Além de permitir que as crianças se relacionem de forma mais saudável e construtiva com seus colegas, familiares e outras pessoas ao seu redor, o desenvolvimento socioemocional também contribui para o aprendizado. Quando as crianças possuem habilidades socioemocionais bem desenvolvidas, elas têm maior capacidade de concentração, autorregulação e resolução de problemas. Isso as ajuda a lidar com desafios e a se adaptar a novas situações, facilitando o processo de aprendizado. Ao estimular o desenvolvimento socioemocional desde a primeira infância, estamos preparando as crianças para serem adultos emocionalmente inteligentes, capazes de se adaptar a diferentes contextos, lidar com desafios e se relacionar de forma saudável tanto na esfera pessoal quanto profissional”, explica a primeira autora do artigo e doutora recém-formada pelo IDOR, Ana Luiza Colagrossi.
Com o objetivo de contribuir com o corpo científico latino-americano e trazer mais informações sobre a aplicabilidade e eficácia dessa metodologia na educação de crianças brasileiras de 3 a 6 anos, o atual estudo utilizou uma vertente da aprendizagem socioemocional intitulada SEL Kernels, que consiste em atividades curtas, de 5 a 15 minutos, que podem ser aplicadas em qualquer sala de aula para desenvolver as habilidades sociais e emocionais em crianças.
Outras metodologias de aprendizagem socioemocional requerem um tempo maior de atividade e muitas vezes exigem recursos pouco acessíveis para escolas públicas como as do Brasil, portanto, o SEL Kernels foi escolhido por ser uma implementação de baixo custo e flexível, permitindo aos professores selecionar as estratégias e atividades que melhor atendam às necessidades e objetivos de sua sala de aula e alunos.
Para realizar a pesquisa, as estratégias de SEL Kernels foram traduzidas e adaptadas com a colaboração de especialistas e professores da educação infantil, sendo adequadas à linguagem e cultura locais do Sudeste brasileiro, onde estavam localizadas as crianças participantes do estudo. Foram eleitos, então, quatro centros educativos públicos no estado do Rio de Janeiro, dois na cidade de Paraty, onde foi aplicado o método, e outros dois no município de Angra dos Reis, utilizados como grupo controle. No total, 205 crianças tiveram o SEL Kernels implementado durante todo o ano letivo, enquanto 109 crianças da mesma faixa etária compuseram o grupo controle, seguindo a grade pedagógica padrão. Os dados acerca da aplicação de SEL Kernels foram reportados pelos professores, de acordo com a progressão de cada aluno em 5 domínios de avaliação: hiperatividade, problemas de conduta, problemas emocionais, problemas com colegas e comportamento altruísta.
Para que a aplicação fosse efetiva, os pesquisadores tiveram muita atenção na introdução do SEL Kernels aos professores, e incluíram em conversas sobre o projeto outros adultos envolvidos na rotina das crianças, como diretores, profissionais da cantina, cuidadores e pais. O WhatsApp também foi uma ferramenta importante de compartilhamento das práticas entre os professores.
Os resultados da pesquisa mostraram que as crianças que participaram do programa tiveram melhorias em diferentes áreas. Em relação aos problemas de conduta, houve uma redução de quase 50% nos valores, indicando que as crianças apresentaram um comportamento melhor. Na hiperatividade, também houve uma redução significativa, de aproximadamente 60%, e os problemas com colegas também diminuíram em porcentagem similar, indicando que as crianças tiveram menos dificuldades nas relações com seus pares e aumento no comportamento altruísta. Essas melhorias foram estatisticamente significativas, com efeitos foram mensuráveis, mostrando que o SEL Kernels teve um impacto positivo nessas áreas.
“O que este estudo mostra, é a potência aliada a simplicidade do SEL Kernels. As atividades e estratégias são baseadas na prática do professor, fáceis de implementar e flexíveis, permitindo a ele integrar as atividades nos currículos e rotinas existentes, selecionando aquelas que melhor respondam as necessidades de seus alunos”, comenta a pesquisadora.
Com exceção da avaliação acerca de problemas emocionais, que não foi significativa em nenhum dos grupos estudados, todos os outros quesitos tiveram impactos positivos de médios a altos nas crianças expostas à aprendizagem socioemocional. Os autores acreditam que a falta de evidências relacionadas ao impacto do SEL Kernels no quesito de problemas emocionais pode ser dada pela particularidade de que as crianças estudadas já demonstravam alto desenvolvimento emocional para a faixa etária, avaliação que foi realizada através de questionários no início do estudo. Outro ponto destacado no artigo foi que as atividades relacionadas a essas habilidades foram as últimas a serem introduzidas durante o processo de implementação, e talvez necessitassem de mais tempo para revelar resultados relevantes.
Um achado adicional foi que o SEL Kernels não determina impactos positivos apenas para as crianças. A experiência dos professores foi avaliada durante a implementação, temas como função executiva e autorregulação foram discutidos em relação às suas experiências e práticas diárias, e os profissionais relataram que o método os ajudou a melhorar o senso de autoeficácia e a mentalidade positiva ao longo do ano letivo.
Os pesquisadores concluem que a utilização de SEL Kernels é uma proposta acessível e relevante para a educação na primeira infância, e pode ser um recurso pedagógico que reverbere positivamente em diversas relações e durante toda a vida dos indivíduos. Eles destacam que a intervenção foi mais determinante nos resultados do que as dificuldades iniciais que algumas crianças apresentavam nos quesitos de avaliação. Embora a maioria das pesquisas realizadas no hemisfério Norte aponte que as habilidades básicas das crianças configuram preditores mais fortes do que qualquer intervenção, os autores do estudo acreditam que existem fatores contextuais que poderiam explicar o forte efeito da intervenção na atual pesquisa, sendo um deles a aderência e proatividade dos professores que aplicaram a metodologia.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.