Pouco explorados em pesquisas, os processos neurais envolvidos na afiliação entre seres humanos são tema de estudo desenvolvido pelo IDOR
Um estudo publicado na revista Neuroscience and Biobehavioral Reviews investigou os circuitos neurais envolvidos na criação de vínculos dos seres humanos. Liderado por pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), a pesquisa realizou uma metanálise de diversos estudos de ressonância magnética funcional direcionados às áreas cerebrais envolvidas nos processos humanos de afiliação, buscando entregar uma visão mais ampla e significativa das estruturas envolvidas na cognição social.
O cérebro, os afetos e a evolução
Estudiosos defendem que a singularidade humana em relação aos outros animais se baseia em três principais pilares: uma cognição diferenciada, a aprendizagem social e a hipersociabilidade. Isso quer dizer que a capacidade humana de se relacionar com outros é um ponto tão importante na nossa evolução quanto o nosso intelecto.
No final da era pré-histórica da Pedra Lascada, cerca de 14 mil a 50 mil anos atrás, nossos antepassados experienciaram a chamada explosão cultural do Período Paleolítico Superior, onde nos tornamos mais parecidos com o que somos hoje em termos de manifestações culturais, artísticas, religiosas e sociais. Esses fatores também transformaram anatomicamente nosso cérebro e nossa espécie.
Embora a afiliação e a sociabilidade sejam aspectos fundamentais das interações humanas, influenciando desde os laços familiares até amizades e relacionamentos românticos, nossa literatura científica possui muito mais robustez na investigação de circuitos neurais responsáveis por esses comportamentos em modelos animais, enquanto nosso entendimento da rede afiliativa humana ainda está em fases iniciais.
Outra lacuna encontrada é que a maioria das pesquisas com humanos focou em um conjunto restrito de estímulos afiliativos, como parceiros românticos ou familiares próximos, o que oferece uma visão fragmentada das estruturas envolvidas na afiliação humana. Como resultado, as metanálises anteriores destacaram principalmente as mesmas regiões cerebrais, em especial a relacionada ao sistema de recompensa do cérebro, o Núcleo Accumbens.
Principais áreas do cérebro relacionadas à afiliação
Acreditando na hipótese de que o sistema de afiliação engaja muitas outras áreas relevantes do nosso cérebro, os autores da metanálise analisaram meia centena de estudos de ressonância magnética voltados para os estímulos afiliativos humanos. A soma dos estudos resultou na análise de estímulos abrangentes, como relações entre filhos, pais, amigos e parceiros românticos, oferecendo uma visão mais completa da diversidade de afetos humanos. No total, foram analisados os mapas de ativação neural de mais de 2.300 indivíduos.
A metanálise utilizou metodologias rigorosas de avaliação para garantir precisão e robustez nos seus dados, utilizando algoritmos complementares de avaliação, como a ALE (Análise de Convergência de Ativação) e a SDM (Análise de Diferença de Mapeamento). Os seus resultados indicaram várias áreas do cérebro associadas à afiliação humana. Abaixo listamos as principais regiões destacadas:
Área Pré–óptica Medial (mPOA): Crucial para a regulação de comportamentos sociais e parentais.
Região Septal: Envolvida na modulação das emoções e do comportamento social.
Núcleo Accumbens (NAcc): Importante para a recompensa e a motivação.
Amígdala Cerebral Central no processamento de informações emocionais e sociais.
Córtex Pré-frontal Ventromedial (vmPFC): Participa da tomada de decisão e do processamento de recompensas.
Ínsula Anterior (AI): Envolvida na consciência emocional e na percepção interoceptiva.
Cíngulo Anterior Dorsal (dACC): Importante para a avaliação de conflitos e a tomada de decisões baseadas em emoções.
Novas descobertas da metanálise
A metanálise destacou que, além das áreas comumente relatadas, como o Núcleo Accumbens, regiões como a área pré–óptica medial (mPOA) e a região septal também desempenham papéis cruciais na afiliação. Essas áreas são componentes importantes do prosencéfalo basal, uma região chave na mediação do afeto e da afiliação não apenas nos seres humanos como em vários outros mamíferos.
O estudo também deu a devida importância a outras áreas relevantes, mas pouco investigadas nos processos afetivos, como a rede de saliência do cérebro (relacionada à criatividade e à percepção das emoções e sentimentos), que envolve estruturas como a amígdala cerebral, a ínsula anterior e o cíngulo anterior dorsal. “O cérebro humano utiliza regiões evolutivamente semelhantes aos outros mamíferos, mas parece ter uma circuitaria social mais abrangente, envolvendo áreas corticais relacionadas à cognição social”, comenta o primeiro autor e pesquisador do IDOR, Dr. Tiago Bortolini.
Outra estrutura cuja ativação chamou a atenção dos pesquisadores foi o cerebelo. Este último é tradicionalmente relacionado a comportamentos motores, mas acredita-se que possa ter papéis mais amplos nas interações sociais. Os autores destacam, contudo, que a ativação do órgão pode estar relacionada às tarefas de mentalização propostas aos voluntários durante a execução da ressonância, ficando inconclusivo se o cerebelo realmente é uma região diretamente relacionada à cognição afetiva.
Importância da neurociência social
O atual estudo oferece uma visão mais detalhada e abrangente dos circuitos neurais envolvidos nos comportamentos de afiliação humana. Ao identificar novas áreas cerebrais e confirmar a importância das regiões previamente conhecidas, os pesquisadores contribuem significativamente para uma melhor compreensão de como o cérebro humano realiza as complexas interações sociais que são centrais para a nossa espécie.
Com uma metodologia rigorosa e uma abordagem ampla de evidências sobre o tema, os autores estabelecem uma base sólida para futuras pesquisas sobre a neurociência social, estudos evolutivos sobre o cérebro humano e para uma compreensão mais profunda dos processos biológicos envolvidos nas conexões sociais, que são, afinal, a base da nossa humanidade.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.