Revisão de estudos recentes traz atualizações sobre a relação entre envelhecimento e sintomas como estresse, ansiedade e depressão 

Uma recente revisão científica, publicada no periódico Frontiers in Psychiatry, investigou os estudos mais recentes sobre o estresse ao longo da vida e como isso pode impactar o envelhecimento e o desenvolvimento de doenças psiquiátricas. A pesquisa foi conduzida por cientistas do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e de outros centros de pesquisa na Alemanha e no Canadá.

Alguns fatores desempenham um papel crucial no envelhecimento e no desenvolvimento de doenças psiquiátricas. Esses fatores podem influenciar a vulnerabilidade a certos transtornos, criando endofenótipos específicos, que são características internas que podem predispor indivíduos a essas condições ao longo da vida. Um conceito central nos estudos do envelhecimento é a carga alostática (CAL), que se refere ao desgaste acumulado no corpo devido à exposição contínua ao estresse. A CAL resulta de uma resposta fisiológica prolongada ao estresse, que pode levar a disfunções em diversos sistemas orgânicos. Quando em altos níveis, a CAL tem sido associada a doenças metabólicas, neurodegenerativas e transtornos de humor, bem como a uma maior mortalidade. Levando em consideração essas premissas, os autores da revisão buscaram entender melhor como o estresse ao longo da vida pode impactar o envelhecimento e favorecer doenças psiquiátricas. 

Novas descobertas sobre envelhecimento, estresse e doenças psiquiátricas 

Os autores da revisão analisaram publicações recentes para fornecer um panorama abrangente sobre como esses fatores interagem e como o estresse crônico, podendo favorecer problemas de saúde mental na população idosa. 

Em um estudo brasileiro analisado na revisão, foi investigado como o envelhecimento afeta as reações do corpo ao estresse súbito, focando no reflexo de sobressalto. O reflexo de sobressalto é uma reação automática do corpo a um susto, como quando ouvimos um barulho alto e inesperado. Essa resposta é inibida quando um estímulo de baixa intensidade é apresentado previamente, fenômeno chamado de inibição por pré-pulso (IPP).  

Alguns transtornos neurológicos humanos apresentam danos na resposta de IPP, como por exemplo a esquizofrenia, devido a déficits no funcionamento do filtro sensório-motor, comuns em pacientes com esse transtorno. A pesquisa indicou que, com o envelhecimento, esse reflexo de sobressalto tende a ser menor e demora mais para ocorrer.  

O estudo também demonstrou que a IPP estava significativamente reduzida em indivíduos mais velhos em comparação com os mais jovens. Embora não tenha sido encontrada uma correlação significativa com o desempenho em tarefas cognitivas, esses resultados ajudam a entender melhor como o envelhecimento pode afetar a integração sensório-motora. 

Outro estudo citado na revisão foi uma pesquisa chinesa que examinou a relação entre transtornos de humor, capacidade de planejamento e organização, e indicadores de problemas no cérebro. Eles compararam 50 indivíduos com depressão tardia e 50 com a doença de Alzheimer e descobriram que os pacientes com Alzheimer tinham mais dificuldade em funções executivas, que são habilidades mentais necessárias para planejar, tomar decisões e resolver problemas, em comparação com aqueles com depressão tardia.  

Para medir essas habilidades, os pesquisadores usaram o Teste de Trilhas A e B, onde os participantes devem ligar pontos numerados e alternar entre números e letras, respectivamente. “A depressão de início tardio é frequentemente confundida com demência inicial. Diferenciar esses quadros é fundamental para a decisão sobre o tratamento”, comenta o Dr. Felipe Sudo, pesquisador do IDOR e um dos autores do estudo. 

A pesquisa destacou a importância de usar ferramentas simples e eficazes para avaliar e diferenciar essas condições, especialmente em países e comunidades com poucos recursos para realizar exames mais específicos, como a análise do líquido cefalorraquidiano. 

Uma pesquisa da Universidade de Hong Kong, por sua vez, conduziu um ensaio piloto com em 28 indivíduos com depressão tardia para investigar o impacto do treinamento cognitivo computadorizado na disfunção executiva, com 2 sessões semanais ao longo de 6 semanas. Os resultados apontaram melhorias significativas na função cognitiva global dos participantes. Além disso, houve correlações entre a melhoria na depressão e o aumento nos níveis de BDNF, proteína do cérebro associada ao reparo dos neurônios e à plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro em criar conexões para superar adversidades. Embora a amostra seja pequena, esses resultados sugerem que intervenções de treinamento cognitivo podem ser eficazes para problemas de cognição na depressão tardia. 

Em um último estudo abordado na revisão, uma outra publicação chinesa analisou como o estresse relacionado a condições médicas também pode exercer influência significativa nos estados de humor, observando sintomas de depressão e ansiedade em adultos que passaram por cirurgia das vias lacrimais devido à obstrução do ducto. Essa condição pode causar sintomas como olhos lacrimejantes, visão turva e síndrome do olho seco. O desconforto causado pelos olhos secos teve uma associação positiva com sintomas de ansiedade e depressão, destacando a importância de considerar o impacto psicológico de condições biológicas e sensoriais. 

A revisão destes estudos fornece uma compreensão mais profunda de como o estresse ao longo da vida pode influenciar o envelhecimento e a saúde mental. Os achados elencados também sublinham a necessidade de um enfoque multidisciplinar na abordagem do envelhecimento e das doenças psiquiátricas, integrando conhecimentos de neurociência, genética e psicologia para desenvolver intervenções que possam mitigar os efeitos deletérios do estresse crônico. 

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.