Pesquisadores criam estrutura teórica para integrar diferentes vertentes da chamada ciência das emoções 

Você já parou para pensar sobre o que são as emoções e como elas influenciam a nossa vida? As ciências afetivas, um campo interdisciplinar que estuda fenômenos como sensação, emoção, humor e bem-estar, buscam responder a essas perguntas. Embora esse campo tenha suas raízes na neurociência e psicologia, ele também se conecta a disciplinas como filosofia, sociologia, linguística, antropologia, além de ciência da computação e economia. Apesar da importância reconhecida de estudar fenômenos afetivos, existem grandes debates teóricos e diversas abordagens experimentais que dificultam a integração de conhecimentos. 

Recentemente, o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) participou da publicação de um artigo na Neuroscience and Biobehavioral Reviews, cuja proposta dos cientistas foi trazer uma nova abordagem para unificar essas diversas perspectivas sobre as emoções humanas. Foram reunidos 173 pesquisadores de 23 países para examinar suposições e abordagens da ciência dos fenômenos afetivos. Um dos primeiros passos foi realizar uma análise linguística computacional para identificar palavras na língua inglesa que descrevem sensações, emoções e humores. Foram analisados dados de mais de 4,5 milhões de livros contendo cerca de meio trilhão de palavras, contabilizando no final 3.664 expressões que os pesquisadores classificaram em categorias de acordo com os sentidos específicos de cada uma. 

A partir dessas informações, foi cunhado o que os autores intitularam “Afetoma Humano”, um conjunto de suposições metafísicas e mecanicistas baseadas em um princípio teleológico – isto é, um princípio que considera o propósito dos fenômenos afetivos. Essa abordagem pode ajudar a organizar teorias existentes e promover o desenvolvimento de novas teorias sobre as emoções humanas. 

O afetoma humano 

O afetoma humano é uma estrutura teórica proposta para unificar e organizar o estudo dos fenômenos afetivos humanos, como sensações, emoções, humores e bem-estar. Sua ideia central é que os fenômenos afetivos podem ser entendidos como processos que ajustam a zona de conforto do indivíduo e monitoram seu processo adaptativo. Esses processos são divididos em duas categorias principais: 

1. Preocupações Afetivas: Referem-se à relevância de objetos físicos e mentais para a viabilidade do organismo. Estas preocupações são refletidas nas ações e reações do indivíduo em relação a esses objetos.
2. Características Afetivas: Fornecem informações sobre o processo adaptativo em si, monitorando padrões de desempenho e adaptabilidade do organismo.

As preocupações afetivas são amplas, como preocupações fisiológicas: as mais imediatas, como sentir fome; preocupações com segurança: emoções que promovem a exploração e a expansão do repertório de ações, como alegria e felicidade; perigo: Emoções que ajudam a evitar ameaças potenciais, como medo e preocupação; perda: Emoções que reconhecem a perda de recursos e a busca de novos, como tristeza e desânimo; e uma série de outras situações que fazem o ser humano interagir com seu ambiente. Já as características afetivas refletem as qualidades das preocupações afetivas por sua valência (se é agradável ou desagradável) e por seu nível de excitação ou intensidade, o que define o nível de ativação ou mobilização de recursos do organismo. 

Mas afinal, qual a utilidade de entender o propósito das emoções? 

Partindo do princípio que tudo que fizemos e fazemos está diretamente ligado às nossas emoções, entender o propósito de nossos sentimentos é primeiramente uma questão existencial e evolutiva, mas também possui um potencial grande de aplicação cotidiana, seja no estudo de distúrbios de saúde mental que envolvem alterações graves de humor, como depressão e ansiedade, ou até no desenvolvimento da inteligência artificial, baseando a criação de computadores e robôs que possam emular sentimentos e emoções humanas para uma ampla variedade de tarefas. 

A estrutura proposta, embora focada nos humanos, pode ter ainda implicações para o estudo de sentimentos em animais não-humanos, pois os princípios centrais podem ser aplicáveis a outras espécies. O artigo conclui que, antes de partir para essas aplicações, é necessário estudar os fenômenos afetivos humanos de maneira eficaz e integrativa. Isso ajudaria a organizar e diferenciar aspectos teóricos em teorias e hipóteses específicas, promovendo uma agenda de pesquisa mais coerente e abrangente. 

Em resumo, o afetoma humano representa um passo importante para uma compreensão integrada dos fenômenos afetivos humanos e para um campo de pesquisa mais unificado e coeso. Este esforço colaborativo e interdisciplinar promete trazer novas perspectivas sobre a complexa natureza das emoções humanas, beneficiando tanto a ciência como a própria sociedade. 

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.