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A inflamação pode conectar a gravidade da covid-19 ao surgimento de sintomas neurológicos

A inflamação pode conectar a gravidade da covid-19 ao surgimento de sintomas neurológicos

Pesquisa do IDOR revela novas pistas sobre como a covid pode causar impactos no cérebro 

A covid-19 é conhecida principalmente por seus efeitos no sistema respiratório, mas as suas consequências vão muito além disso. Um estudo recente, publicado na revista Brain, Behavior, & Immunity – Health e conduzido no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), revelou alterações moleculares que podem estar por trás dos sintomas neurológicos apresentados por alguns pacientes acometidos pela doença, destacando a importância de compreender melhor essas possíveis consequências da covid-19 ainda pouco conhecidas. 

Covid-19 ainda é um desafio de saúde pública 

A covid-19 segue uma doença preocupante mesmo após o fim de sua pandemia. Apenas no primeiro semestre de 2024, ela foi responsável por mais de 3 mil óbitos no país. Além disso, a literatura científica vem retratando copiosamente efeitos deletérios da infecção mesmo após a recuperação dos pacientes, um quadro que vem sendo denominado “covid longa”. 

A covid longa refere-se a uma gama de sintomas persistentes que permanecem ou surgem após a fase aguda da doença. Mesmo após a recuperação do quadro respiratório, pacientes podem continuar a enfrentar desafios significativos, especialmente no que tange à saúde neurológica. Uma parcela significativa dos sobreviventes da covid-19, mesmo os que apresentaram a doença leve, podem apresentar perda cognitiva e dificuldade de concentração por longos períodos após a infecção. Por isso, é importante estudar como a doença afeta o cérebro ainda na fase aguda, pois isso pode trazer pistas acerca dessas sequelas neurológicas. 

Durante a infecção, os sintomas neurológicos mais comuns são dores de cabeça, fadiga, perda de olfato e, até complicações mais severas, como AVC e encefalite. Investigar essas manifestações é crucial, pois ainda sabemos pouco sobre os mecanismos que levam a essas complicações e como elas se desenvolvem. 

Como o estudo foi conduzido 

Buscando biomarcadores que pudessem dar pistas sobre os processos de neuroinflamação na covid-19, os pesquisadores do IDOR analisaram dados de pacientes confirmados com covid-19 hospitalizados na rede de Hospitais D’Or São Luiz, entre abril e novembro de 2020. 

A amostra incluiu 35 pacientes com idades entre 26 e 87 anos, divididos entre casos moderados e graves, todos apresentando sintomas neurológicos importantes durante a infecção aguda por covid-19. Os dados foram coletados de prontuários médicos e incluíam exames de imagem (ressonância magnética e tomografia), exames de sangue e análise do líquor cefalorraquidiano (LCR) – um fluido que envolve o cérebro e a medula espinhal. Dez amostras de LCR de pacientes não infectados serviram como grupo controle. 

Achados revelam inflamação cerebral significativa 

A análise dos dados revelou que a maioria dos pacientes apresentava pelo menos uma comorbidade, com 65,7% apresentando duas ou mais. Cerca de 85,7% dos pacientes apresentaram sintomas neurológicos logo na admissão hospitalar, quadro clínico que foi até mais expressivo que os sintomas respiratórios.  

Os exames de imagem mostraram que 28,6% dos pacientes tinham alterações focais ou difusas no cérebro, associadas à covid-19, incluindo lesões desmielinizantes, encefalite e AVC. 

Os exames de sangue indicaram que 66% dos pacientes apresentavam sinais de uma resposta inflamatória exacerbada. Análises proteômicas do LCR mostraram uma alteração no padrão de proteínas comparado aos controles, com 116 proteínas significativamente desreguladas, relacionadas ao sistema imunológico e processos metabólicos. 

 

Citocinas pro-inflamatórias estão associadas à gravidade da doença 

Os níveis de duas citocinas pro-inflamatórias, IL6 e TNFα, estavam elevados no LCR dos pacientes com covid-19, sendo IL6 particularmente mais alta nos casos graves. Essas citocinas estão associadas à gravidade da doença e às alterações observadas nos exames de imagem. 

A Dra. Fernanda Aragão, pós-doutoranda do IDOR e primeira autora do estudo, comenta que a pesquisa é uma das primeiras a conectar exames de imagem e sintomas neurológicos com biomarcadores neuroinflamatórios capazes de refletir a gravidade da doença aguda, uma complicação que até hoje é difícil de prever. 

Apesar da distinção de gravidade encontrada a partir desses biomarcadores, a pesquisadora ressalta que a neuroinflamação independe da gravidade da doença, e pode ser uma das principais causas das doenças neurológicas associadas à covid-19. Ela ressalta que até pacientes com casos mais leves mostraram alterações significativas no LCR, sugerindo que a resposta inflamatória do corpo pode afetar o cérebro de formas ainda não completamente compreendidas. 

“Esse estudo revela que a neuroinflamação é um ponto comum em casos neurológicos da doença, mesmo em pacientes com quadros diversos, moderados ou graves. A identificação desses marcadores inflamatórios que conectam a gravidade da COVID e alterações de neuroimagem pode ser muito importante para o desenvolvimento de terapias, visando tanto o tratamento tanto durante a infecção aguda da covid-19, bem como para os pacientes com os efeitos persistentes da chamada covid longa”, acrescenta a autora. 

 

Implicações para o tratamento e monitoramento a longo prazo 

Esses achados ressaltam a necessidade de monitoramento a longo prazo de pacientes que tiveram covid-19, especialmente aqueles em risco de desenvolver complicações neurológicas persistentes. Compreender melhor esses mecanismos pode ajudar a desenvolver estratégias de tratamento e prevenção mais eficazes no futuro. 

A pesquisa do IDOR fornece descobertas valiosas sobre os impactos neurológicos da covid-19 e abre caminho para que estudos futuros possam explorar esses achados em maior profundidade e em populações mais amplas. 

Assim, a investigação contínua sobre as consequências neurológicas da covid-19 segue apresentada como um investimento crucial, especialmente com a evolução de novas variantes e a implementação de programas de vacinação, para garantir que os efeitos a longo prazo da pandemia sejam adequadamente compreendidos e tratados. 

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu. 

19.08.2024

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