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O hormônio que protege o cérebro dos efeitos deletérios da obesidade

O hormônio que protege o cérebro dos efeitos deletérios da obesidade

Novo estudo indica que a normalização do ciclo da leptina pode proteger o cérebro humano contra os efeitos nocivos da obesidade

Uma nova pesquisa lançou luz sobre o papel crucial da sinalização de leptina no cérebro e sua influência na obesidade e na saúde cerebral. O hormônio é ligado à saciedade e está por trás de muitos casos de sobrepeso. O estudo, publicado recentemente no periódico científico Brain, utilizou camundongos para entender melhor os impactos da ausência de leptina no desenvolvimento cerebral e a possibilidade de reverter esses efeitos mesmo na fase adulta. A pesquisa foi realizada pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP) e Queen’s University, do Canadá.

Obesidade e problemas neurológicos

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a obesidade está atingindo níveis epidemiológicos em todo o mundo. O problema já é associado ao aumento de casos de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer, mas ainda não há ampla disseminação de suas consequências para o sistema nervoso central (SNC), que podem englobar atrofia cerebral, comprometimento cognitivo e aumento do risco de demência.

Muitas pessoas obesas e diabéticas exibem alterações estruturais no cérebro tanto na matéria cinzenta (neurônios) quanto na branca (células não neuronais do cérebro), além de terem mais chances de apresentar circuitos cerebrais anormais e alterações no hipocampo, apresentando com o passar dos anos uma deterioração mais rápida na memória, função executiva e velocidade de processamento.

O papel da leptina na obesidade

A sinalização da leptina no SNC inibe a ingestão de alimentos e aumenta o gasto energético, consequentemente, defeitos nesse mecanismo são comumente relacionados à falta de saciedade e pouco gasto calórico, favorecendo a obesidade. Não existem, contudo, muitos estudos acerca das consequências neurológicas relacionadas a essas alterações hormonais.

Para entender melhor como a sinalização insuficiente da leptina afeta o cérebro, os pesquisadores do estudo investigaram se modelos de camundongos geneticamente modificados para obesidade também apresentavam alterações estruturais no cérebro.

Ausência de leptina ou de seu receptor apresentam diferentes gravidades

Além de investigar aqueles com obesidade e ausência de leptina, os cientistas também avaliaram aqueles que possuíam obesidade e deficiência no receptor de leptina, que é a estrutura responsável pela sinalização do hormônio no corpo.

A partir disso, foram realizados exames de imagem nos cérebros dos animais, além de testes cognitivos, de memória e de capacidade física. Foi observado que em ambos os grupos os camundongos exibiram menor velocidade para nadar e menor produção de neurônios (neurogênese) no hipocampo, área do cérebro associada à memória e cognição.

Nos roedores com deficiência na sinalização de leptina, foi observado um aumento na densidade de células não neuronais, alterações que sugerem um possível processo neuroinflamatório que poderia contribuir para a disfunção cognitiva constatada.

Os camundongos que careciam do receptor de leptina também apresentaram um desempenho pior que os roedores com ausência de leptina nos quesitos avaliados. Além disso, os pesquisadores apontaram uma associação entre a ausência de sinalização de leptina e a resistência à insulina nos camundongos adultos.

Como a insulina desempenha um papel crucial no desenvolvimento cerebral, bem como no aprendizado e na memória, essa descoberta sugere existir uma interação complexa entre os sistemas endócrino (hormonal) e neural na regulação do metabolismo e da função cerebral. Essa diferença entre os grupos de roedores analisados também indica que a falta de sinalização do receptor de leptina pode ser mais prejudicial do que a ausência do próprio hormônio.

Disfunções na sinalização de leptina podem ser reparadas

Na pesquisa atual, a análise teve foco em observar as alterações cerebrais causadas pela falta de leptina ou de sua sinalização em dois grupos de camundongos adultos. O primeiro grupo permaneceu sem sinalização de leptina apenas até os 2 meses e meio de vida, e nesse momento os cientistas reativaram a expressão dos receptores de leptina e acompanharam parâmetros de memória e o volume do cérebro desses animais quando eles completaram 10 meses de idade. 

O segundo grupo não teve a reativação da expressão dos receptores de leptina e por isso os animais desse grupo permaneceram sem a sinalização desse hormônio até completarem 10 meses de vida. O principal objetivo por trás dessa escolha seria entender se há possibilidade de reverter estes quadros de deterioração, mesmo em camundongos que já concluíram seu ciclo de desenvolvimento cerebral.  E as descobertas foram muito animadoras: a reativação do receptor de leptina reverteu efetivamente a atrofia cerebral, a redução na neurogênese e o prejuízo na memória desses camundongos. Foi a primeira vez que esses resultados foram alcançados por um estudo.

Terapias para obesidade podem investir em regulação do ciclo da leptina

Considerando que a tendência a doenças neurodegenerativas e à atrofia cerebral associada a falhas na sinalização de leptina são fenômenos já observados tanto em camundongos como em humanos com obesidade, os resultados da pesquisa sugerem que estratégias terapêuticas destinadas a estimular a sinalização de leptina podem ser promissoras para proteger o cérebro contra os efeitos prejudiciais da obesidade.

É importante ressaltar ainda que a obesidade é uma questão multifatorial e complexa, e que a regularização hormonal sozinha não seria solução para o problema. Ainda assim, o estudo destaca que a sinalização de leptina no cérebro possui um papel muito importante na regulação do peso corporal e na saúde cerebral, que impactam diretamente a qualidade de vida das pessoas com obesidade.

A pesquisa fornece uma base sólida para que o desenvolvimento de terapias direcionadas para prevenir ou tratar complicações neurológicas associadas à obesidade, e seus resultados apresentam novas perspectivas sobre a interação entre obesidade, metabolismo e saúde cerebral.

Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.

06.06.2024

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