Em artigo para o The New Yorker, oncologista Siddhartha Mukherjee defende importância da mensuração viral em pacientes com COVID-19.
Na semana passada, em artigo de opinião publicado no The New Yorker, o médico oncologista e premiado autor indiano, Siddhartha Mukherjee, trouxe luz a um tema pouco discutido na ampla divulgação sobre a pandemia de COVID-19.Enquanto somos atualizados diariamente sobre a disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) mundo afora, ainda pouco sabemos sobre sua propagação dentro das pessoas – reação que pode variar de acordo com cada organismo e com a carga viral a que foi exposto, mas que é essencial para encontrarmos uma forma de imunização contra a doença.
Antes de tudo, o autor nos leva a um passeio histórico pelas primeiras “vacinas”, imunizações realizadas por curandeiros chineses no início do primeiro milênio. A técnica surgiu da constatação de que pessoas que sobreviviam à varíola não contraíam novamente a doença. Então, além de usar esses sobreviventes imunes para o tratamento de pacientes infectados, os médicos chineses trituravam pústulas de varíola e insuflavam na narina de crianças, como um método ancestral de imunização. Mukherjee salienta, porém, que a prática muitas vezes poderia fazer essas crianças enfrentarem uma manifestação completa ou ainda mais intensa da doença, ao invés de experienciarem brandos sintomas que depois as concederiam imunidade.
A razão para essa recapitulação histórica, o autor afirma, é lembrarmos que a carga viral é um fator importantíssimo para entendermos a atual pandemia da COVID-19, e também para imunizarmos a população contra ela. É amplamente divulgado que o grupo de maior risco abrange idosos e pessoas de saúde frágil, ainda assim, centenas de profissionais da saúde entre seus vinte e quarenta anos estão sucumbindo devido ao contato frequente com pacientes contaminados. Isto tem algo a nos dizer sobre a intensidade da doença e o nível de exposição ao SARS-CoV-2. Pesquisas realizadas com outros vírus, como os da influenza e do sarampo, provaram em animais que a intensidade de exposição está relacionada ao desenvolvimento de formas mais graves das doenças. A explicação científica é que o processo de infecção é uma competição entre a replicação do vírus e a nossa resposta imunológica para eliminá-lo; logo, uma exposição a uma grande carga viral daria à doença uma vantagem inicial nesta competição.
Outro estudo, realizado com SARS (doença causada por outro coronavírus), também descobriu que uma carga viral inicial concentrada na nasofaringe de pacientes estava correlacionada a complicações respiratórias mais graves. Já os infectados com menor carga viral na nasofaringe, em sua grande maioria, conseguiram sobreviver à doença, independente de fatores como a idade dos pacientes. Mukherjee afirma que obter mais informações sobre o comportamento viral da COVID-19 no organismo humano é um caminho necessário e que irá mudar a maneira como são administrados pacientes individuais, hospitais e populações. Por exemplo, se pudéssemos identificar pacientes pré-sintomáticos que provavelmente foram expostos às doses mais altas de vírus (através de contatos intensos com um familiar ou hospitalar), poderíamos também prever que esta pessoa manifestaria um caso mais grave da doença e, portanto, daria-se prioridade a esse subgrupo durante os tratamentos.
O médico reconhece, no entanto, que durante uma pandemia, o pânico, a escassez de materiais e a urgência dos atendimentos podem fazer a medição da carga viral parecer uma prática improvável diante do cenário. Mas, crises como esta exigem medidas além das imediatas, considerando que cada vez trabalharemos com menos recursos e que estes terão que ser otimizados da maneira mais eficaz. Portanto, para vencer esta guerra mundial contra a COVID-19, rastrear o curso do vírus individualmente dentro dos pacientes se torna indispensável até mesmo para conter sua disseminação coletiva, que já se encontra alastrada pelas mais diversas populações.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.