Pesquisa com participação do IDOR revela que populações negras e pardas com pouca escolaridade possuem os piores desfechos da Covid-19.
A pandemia do novo coronavírus alcançou quase todos os países do globo, e é correto afirmar que as dificuldades trazidas pela Covid-19 estão sendo enfrentadas por toda população mundial. No entanto, embora uma pandemia desta magnitude aparente afetar a todos da mesma injusta forma, a realidade é que o impacto desta crise sanitária realça, silenciosamente, desigualdades sociais que estarão ainda mais gritantes no momento pós-pandêmico.
Segundo o Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), coletivo de pesquisa do qual o IDOR faz parte, os contrastes sociais reiterados pela Covid-19 não são apenas financeiros, como observado nos diferentes impactos com os quais a doença atingiu países ricos e pobres, mas também raciais e educacionistas, termo que se refere ao preconceito relacionado ao grau de escolaridade das pessoas.
Em sua mais recente nota técnica, publicada nesta quarta-feira (27/5), o NOIS quantificou em gráficos e relatório as diferentes consequências da pandemia em populações de diversas idades, etnias e grau de escolaridade no Brasil. Os dados foram coletados de fontes como o DataSUS, e foram avaliados os casos de desfecho – em óbito ou recuperação – de cerca de 30 mil pacientes com Covid-19 que desenvolveram a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) durante a infecção.
Em um primeiro momento, a pesquisa confirma a informação amplamente disseminada de que as complicações da Covid-19 aumentam o risco de óbito com o avançar da idade, de forma que os pacientes abaixo dos 60 anos possuem chances maiores de recuperação. Contudo, mesmo em pacientes com a mesma idade, o potencial de óbito é maior para as populações negra e parda, em comparação com a branca. Como pode ser conferido na figura 1, dentre os casos do estudo, os brancos conseguiram recuperação em mais da metade dos casos, enquanto negros e pardos tiveram em maior parte o desfecho oposto.
Além da iniquidade racial, a taxa de óbito também se apresentou mais severa de acordo com o grau de escolaridade dos indivíduos, de forma que as parcelas menos escolarizadas mostraram porcentagens mais negativas de desfecho. As diferenças étnicas também se mostraram decisivas na comparação entre pessoas negras, brancas e pardas com o mesmo nível educacional, como se pode entender na figura 2, abaixo.
Não apenas no Brasil, a população negra e outras minorias raciais estão sendo as mais impactadas pela doença. Em um artigo publicado no periódico científico JAMA, pesquisadores dos Estados Unidos observaram que os afro-americanos e latinos eram os grupos mais infectados e que mais morriam no país. Segundo o texto, para cada 100 mil habitantes, 73 mortes seriam de negros, 36 de outras minorias raciais e 22 mortes de brancos. O artigo ressalta o fato de que as populações não-brancas também são economicamente menos favorecidas no país, o que reflete que as medidas de contenção da pandemia, como pedir para as pessoas ficarem em casa e evitarem aglomerações, podem não ser aplicáveis para muitas famílias.
As alternadas formas pelas quais a pandemia afeta variadas populações étnicas no mundo estimulou pesquisadores chineses a estudarem se algum fator genético estaria envolvido neste desfecho. Ainda em pré-print, isto é, ainda em aguardo da avaliação de outros cientistas antes de ser publicada, a pesquisa analisou milhares de indivíduos com Covid-19 das etnias leste-asiáticas e de algumas raças europeias, buscando diferenças no processo de contaminação pelo novo coronavírus. No entanto, os resultados mostraram que as diferenças observadas eram muito pequenas para que se concluísse uma maior susceptibilidade genética em qualquer uma das populações.
Isso nos leva a crer que a heterogeneidade da ação pandêmica em diferentes etnias do mundo reflete muito mais questões econômicas e sociais do que genéticas. Em um artigo publicado no The Lancet, autores do Reino Unido revelam que minorias étnicas podem estar se destacando nos desfechos devido a fatores culturais e comportamentais, além de diferenças sociais, que incluem status socioeconômico mais baixo, menor busca por manutenção da saúde e consequente desenvolvimento de comorbidades, fator que intensifica os riscos da Covid-19. Os pesquisadores ressaltam que em todos os países é importante o desenvolvimento de estudos qualitativos, pois com o mapeamento das diferentes condições de vida e do comportamento de suas populações étnicas e socioeconômicas é possível pensar em melhores estratégias para controle pandêmico.
No Brasil, os números levantandos pela publicação do NOIS também propõem uma série de questões socioeconômicas que poderiam explicar as diferenças observadas entre as etnias e o tempo formal de escolaridade. O estudo argumenta que o fato de pacientes pretos e pardos apresentarem um número maior de óbitos em relação aos brancos no país reflete condições históricas de desigualdade social; assim como o nível de escolaridade também espelha iniquidades econômicas, no momento que as classes mais altas além de terem mais oportunidades de investir tempo e dinheiro em educação, também possuem mais acesso aos serviços sanitários básicos e de saúde.
Em síntese de sua análise, a pesquisa conclui que pretos e pardos sem escolaridade mostraram proporções muito diferentes de morte por Covid-19. As chances de morte de um paciente preto ou pardo analfabeto são quase 4 vezes maiores que as chances de um paciente branco com nível superior, confirmando as enormes disparidades no acesso e na qualidade do tratamento no país. A divulgação desses dados é relevante não apenas para autorizar políticas públicas que buscam compensar esses contrastes socioeconômicos, como também é necessária para guiar o desenvolvimento de soluções pós-pandemia, que devem declarar e levar explicitamente em consideração o fato de que Brasil é um país de desigualdades e que precisa de alternativas que atendam aos seus contrastes sociais, raciais, educacionais e econômicos.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.
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