Diferentemente dos adultos, as comorbidades que atuam como principais preditores de gravidade entre crianças e jovens são problemas neurológicos e respiratórios
O consenso sobre a aparente imunidade das crianças à Covid-19 deixava os cuidados com seu isolamento apenas como uma medida de segurança para evitar que elas fossem vetores de contágio a familiares e pessoas dos grupos de risco. No entanto, recém-publicado no Jornal de Pediatria, um artigo escrito por pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) mostrou que, além das crianças poderem desenvolver casos graves de Covid-19, por vezes necessitando de intubação, aquelas que apresentam comorbidades possuem cerca de 5 vezes mais chances de desenvolver maiores complicações da doença. As comorbidades, contudo, não equivalem exatamente às mesmas que conferem maior risco aos adultos, como obesidade e diabetes, mas estão concentradas em doenças neurológicas e respiratórias crônicas.
Em março, antes mesmo de completar uma semana do decreto da pandemia, O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, já declarava que havia registro de mortes infantis causadas pelo novo coronavírus, mas que isso não as enquadrava como um grupo de risco, e talvez por isso essa população não tenha recebido a devida atenção no início da crise sanitária. O estudo do IDOR, realizado como parte da iniciativa multicientífica Ciência IDOR Contra a Covid-19, buscou aprofundar esses possíveis desfechos de jovens pacientes diagnosticados com Covid-19, coletando informações através de 19 Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIPs) no Brasil.
Os cientistas analisaram um total de 79 pacientes pediátricos, dos quais 41% apresentavam comorbidade e mais da metade dessas comorbidades estavam relacionadas a doenças neuromusculares, principalmente encefalopatia não progressiva – distúrbio congênito que afeta a movimentação muscular. Outras doenças, como a respiratória crônica, onco-hematológica, cardíaca congênita e desnutrição, também foram registradas, abrangendo, juntas, cerca de 27% do total dos participantes.
Os pacientes mais velhos eram também os maiores portadores de comorbidades que, aliadas à ação da Covid-19, fizeram mais necessário o uso de procedimentos invasivos de ventilação mecânica: 5,5 vezes mais do que nas crianças sem comorbidades. Um outro achado inédito da pesquisa foi mostrar não haver indícios de que bebês de até 1 ano possam desenvolver quadros graves da doença, tema que preocupava muitas mãe em período de amamentação.
Os pesquisadores relataram que a grande maioria das crianças que necessitaram internação também haviam desenvolvido uma doença febril aguda, com sintomas predominantemente respiratórios, e metade delas possuía doenças neurológicas e respiratórias crônicas. Observa-se também que, além do fato dessas complicações se concentrarem nas crianças mais velhas, 80% desses casos graves foram em meninos, prevalência de gênero que também ocorre nos pacientes adultos do sexo masculino.
Embora esses primeiros resultados sejam parte de um estudo de longo prazo, os cientistas relatam que 18% das crianças com Covid-19 internadas nas UTIPs necessitaram de ventilação mecânica por uma média de 5 a 7 dias, e que os principais medicamentos utilizados no tratamento foram os antibióticos. As outras crianças saíram da UTIP em cerca de 5 dias e apenas 2 pacientes faleceram devido à infecção: ambos apresentavam comorbidades graves e uso crônico de corticosteróides. Da amostra total, 39% das crianças relataram contato com um caso suspeito de Covid-19.
A pesquisa foi fruto de uma análise prospectiva e multicêntrica, o que significa que foi realizado em parceria com outras instituições e que necessita de maior acompanhamento dos pesquisadores para que se possa melhor entender os desfechos desses pacientes pediátricos. Além de ser o primeiro do tipo a considerar o cenário das UTIPs brasileiras durante a pandemia no Brasil, o estudo do IDOR também abrangeu UTIPs localizadas em hospitais de diferentes estados do país, como no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará e Pará. As crianças analisadas neste artigo foram bebês, crianças e jovens entre 1 mês e 19 anos de idade, internados entre os dias 1º de março a 31 de maio.
Escrito por Maria Eduarda Ledo.
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