Em 24 de janeiro comemoramos (ou deveríamos comemorar…) o Dia Internacional da Educação. Nessa oportunidade, é importante ressoar sempre os argumentos sobre a necessidade de educar a humanidade, para que a prosperidade chegue igualitária para todos, a violência e as guerras cessem, a honestidade predomine sobre o “jeitinho” do cotidiano, e a criatividade e a competência andem juntas no trabalho e na economia. Os céticos dirão que tudo isso é uma ilusão, uma esperança vã, irrealizável. Os matemáticos talvez me consolem, argumentando que as metas e planos são sempre como um limite matemático, aquele ponto no infinito do qual nos aproximamos sempre, sem nunca o alcançar. O fato é que a Educação é necessária a todos os povos, sabemos todos. E que muitas de suas metas que parecem hoje inatingíveis, talvez possam ser aproximadas, principalmente se houver colaboração internacional no processo.
A Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE) defende a participação intensiva da Ciência na busca de soluções inteligentes, plausíveis e eficazes para a educação. E agora comemoramos também a inauguração de nosso braço internacional – a recém aprovada Cátedra Unesco de Ciência para Educação. A Cátedra foi aprovada em 2022 pela Unesco, proposta por 15 pesquisadores de 11 países da América Latina, Estados Unidos e Canadá, e vários países europeus. As instituições responsáveis pela Cátedra são a UFRJ e o Instituto D’Or, sendo a Rede CpE a operadora, encarregada de materializar suas atividades, que já começam em 2023.
O principal objetivo da Cátedra está no título do projeto original enviado à Unesco: “construir uma ponte entre o laboratório e a sala de aula”, isto é, entre os pesquisadores e os professores. Essa ponte já foi considerada longa demais por psicólogos como o americano John T. Bruer[1], focando mais sobre a relação entre a neurociência e a pedagogia, para ele necessariamente mediada pela psicologia cognitiva. O projeto da Cátedra Unesco, seguindo o mantra defendido pela Rede CpE, é mais ampla do que a neurociência, na perspectiva denominada “quadrante de Pasteur” pelo cientista social americano Donald Stokes, autor de um livro seminal com esse título[2].
Para Stokes, há pelo menos três tipos de pesquisa científica, que ocupam “quadrantes” de acordo com a sua resposta a duas perguntas essenciais: se a pesquisa responde a questões fundamentais para o conhecimento humano (ciência fundamental ou básica), e/ou se responde a necessidades práticas da vida humana (ciência aplicada). Stokes batizou os seus quadrantes com nomes icônicos da história da ciência. Assim, quando se trata apenas de ciência fundamental, o homenageado foi o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), pioneiro da física quântica. No quadrante de Bohr, os pesquisadores saem em busca de temas fundamentais da natureza, sem preocupações práticas. Quando se trata apenas de ciência aplicada, o homenageado de Stokes foi Thomas Edison (1847-1931), o conhecido inventor da lâmpada de incandescência. No quadrante de Edison, os pesquisadores se dedicam a inventar produtos e processos, sem se preocuparem com a explicação dos fundamentos de suas invenções.
O caminho socialmente mais eficaz, no entanto, seria combinar as duas alternativas polares – a de Bohr com a de Edison. Foi o que fez o francês Louis Pasteur (1822-1895), a cuja biografia se atribui a derrota da concepção aristotélica de geração espontânea da vida, a identificação de microrganismos como causa de doenças, e a invenção de uma técnica para eliminá-los: a pasteurização dos alimentos e bebidas. O “quadrante de Pasteur”, desse modo, seria a melhor alternativa para o investimento em ciência e tecnologia, criando ecossistemas férteis em ideias e produtivos em soluções.
A Rede CpE e a Cátedra Unesco de Ciência para Educação pretendem contribuir para o desenvolvimento desse ecossistema tão promissor, reunindo pesquisadores de qualquer disciplina, que se disponham seja a compreender os fundamentos mais básicos desse processo mental e social que chamamos educação, seja a inventar e avaliar soluções práticas para as questões urgentes da educação. Trata-se assim de construir a ponte negada por Bruer, entre pesquisadores “lato senso” e os profissionais de educação que trabalham no “chão da escola”. Isso é possível, se os atores de um lado da ponte não desmerecerem os do outro lado, atravessando o rio que os separa e tratando de encontrar confluências virtuosas.
A Rede CpE reúne já cerca de 180 pesquisadores brasileiros das mais variadas disciplinas – da economia à neurociência, da psicologia à ciência da computação, da biologia à pedagogia. Além disso, em pleno crescimento está o nosso novo time de Amigos da Rede, até o momento 170 afiliados: professores, gestores, jornalistas e outros profissionais. E assim também caminha a Cátedra Unesco, por enquanto em menor escala. Igualmente, a Rede conta com vários membros institucionais que provêm recursos financeiros e logísticos de apoio a nossas atividades.
A Ciência para Educação oferece já vários exemplos de conexão entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada, uma verdadeira ponte de transversalidade entre ambos os mundos. Os economistas e cientistas sociais têm realizado estudos longitudinais que indicam a grande importância de investir no ensino infantil. O economista Daniel Domingues dos Santos, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, faz uma revisão desses trabalhos em um dos capítulos de um livro publicado pela Rede com a Editora Atheneu[3]. Em dois outros capítulos do mesmo livro, os pesquisadores associados da Rede CpE, cientistas da computação André Ponce de León Carvalho, da Universidade de São Paulo, e Edmundo Souza e Silva, da COPPE-UFRJ, nos contam sobre máquinas que aprendem e máquinas que ensinam. Os neurocientistas, por sua vez, têm contribuído também para a construção da ponte, como ilustrado recentemente pelo livro editado pelo Serviço Social da Indústria (SESI)[4], de autoria de Ana Luiza Neiva Amaral e Leonor Bezerra Guerra, destinado especificamente aos professores com alternativas de aplicação em sala de aula de vários conceitos provenientes da pesquisa em neurociência.
Estes poucos exemplos virtuosos não fazem justiça a uma imensidão de outros pesquisadores brasileiros e de outros países, inseridos nos contornos do quadrante de Pasteur, que tentam fazer valer a importância da Ciência para a implementação de políticas públicas em Educação. Comemoremos com a Rede CpE e a nova Cátedra Unesco de Ciência para Educação, neste início de 2023, o Dia Internacional da Educação e os novos tempos que abrem luminosos horizontes para essa área de investimento social de tanta importância para todos os países.
[1] J.T. Bruer, Education and the brain: A bridge too far. Education Research vol. 26, pp. 4-16, 1997.
[2] D.J. Stokes, O Quadrante de Pasteur, Ciência Básica e Inovação Tecnológica, Campinas: Editora Unicamp, 2009.
[3] Ciência pra Educação, Uma Ponte entre dois Mundos (org. R. Lent, A. Buchweitz e M.B. Mota), Rio de Janeiro, Ed. Atheneu e Rede CpE, 2018.
[4] Neurociência e Educação, Olhando para o Futuro da Aprendizagem, SESI, 2020.
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